domingo, 23 de dezembro de 2012

As dores do mundo





Já parou pra pensar em quanta dor existe no mundo? Provavelmente sua resposta será sim, mas quantas vezes você já parou pra pensar por mais de dois minutos, sem chegar à conclusão de que a vida é assim mesmo, e voltar aos afazeres cotidianos, que te fazem fugir da tristeza que toda essa dor ia causar?Pois é... Hoje eu parei pra pensar em todas as pessoas que não podem simplesmente voltar pra realidade e esquecer isso tudo, porque a dor é a sua realidade.

Quantas pessoas passam todos os dias por situações degradantes, que muitas vezes causarão marcas eternas, passando de feridas a cicatrizes que nunca deixarão de existir, como tatuagens na alma, que nunca poderão ser removidas?Tantos casos de violência, famílias destruídas, falta de amor e de compreensão dentro dos lares, fome, doenças, falta de acesso e oportunidades, injustiças de todo tipo, muitos com tanto e outros com tão pouco... Esse mundo é o mesmo mundo pra todos, mas que só alguns são obrigados a sentir.

Mas, é claro. Eu sei que você deve estar pensando que a culpa de todas essas mazelas não é sua, e que não foi você quem desejou que tudo fosse assim. E você...Ei!Psiu!Você mesmo!Você está certo! Só porque eu, você e ninguém faz nada pra mudar as coisas, isso não quer dizer que a gente tenha culpa de tanto sofrimento.Na verdade, quando a gente busca as causas de tudo, não consegue  achar um ponto de origem, e tudo se bagunça dentro da cabeça.

Ousarei te fazer um convite. Tenho certeza que qualquer outro convite que você receber parecerá muito mais tentador, mas eu prometo: não vai demorar quase nada, a não ser que você ache interessante e resolva continuar. Pare um pouco pra pensar em todas essas pessoas que, de alguma forma, sofrem algo que você nunca sofreu. Olhe pra sua vida, por um minuto, e pense se é justo reclamar de tudo aquilo que você anda reclamando, ou se você só queria ter uma vida melhor do que a que já tem. Pense em quantas pessoas dariam tudo pra viver, nem que fosse por um dia, a sua vida. E, por favor (e essa é a parte mais importante), olhe à sua volta e pense se você realmente não pode fazer nada pra ajudar.Você não vai mudar o mundo, mas pode acreditar: vai transformar a vida de alguém, mesmo que seja apenas com um gesto ou uma palavra, que vão fazer toda a diferença na vida dessa pessoa. A gente sempre pode fazer alguma coisa, e cada um faz o que pode por quem tem menos ainda a oferecer.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Quem cala, vence


Alguém já te disse que quem cala vence?Esse foi o conselho que recebi esta semana da minha avó. A avó de uma amiga já deve ter até patenteado a frase, de tanto que usa. Coisas de avós...Ainda antes de ela falar , já acreditava que fosse verdade, porque no fim de todas as situações pelas quais passamos, falar demais e discutir com os outros é simplesmente inútil.

Nunca achei que abaixar a cabeça para o que está errado fosse uma coisa certa. Pra mim, a gente tem o direito e o dever de fazer alguma coisa diante da injustiça. Não é pra querer virar super homem ou mulher maravilha e salvar a pátria, é pra tentar mudar o que estiver ao seu alcance, em casa, na rua ou no trabalho. Não creio que está correto ter que se calar só porque quem está errado é alguém superior a você, em virtude de alguma convenção social. Se é seu pai, sua mãe ou seu chefe, não importa, afinal, expor uma opinião diferente não exige que o respeito saia de cena. Ele, inclusive, é um grande aliado na hora de tentar qualquer manobra mais arriscada.

Mas, de uns tempos pra cá, percebi que em certos momentos o melhor mesmo é a gente se manter calado. Não por submissão, por medo ou por comodidade, mas porque é melhor assim. Melhor, porque você tem a oportunidade de ouvir o outro lado e ver as coisas pelos dois lados. Melhor, porque a gente evita desgastes e desentendimentos completamente desnecessários,e porque o seu silêncio pode acabar fazendo a pessoa pensar duas vezes, ainda que ela não deixe isso transparecer.Contra quem não quer ouvir e nunca está disposto a mudar de opinião, nem os mais brilhantes argumentos do mundo vão surtir algum efeito.

Nesse caso, é mais sensato se abster de concordar ou discordar e apresentar suas convicções a quem vai, no mínimo, escutar o que você tem a dizer. O que não tem remédio, remediado está, já dizia o antigo provérbio. Quem não sabe a hora certa de se calar, perde tempo e sossego à toa. Ganha quem sabe olhar para as razões do outro e tira algo de positivo para levar pra sua vida. Vitorioso é quem não planta suas flores em jardins de terras inférteis, já que não adianta tentar conversar se a outra pessoa não quer. Tem hora que a gente ganha mesmo muito mais ficando na nossa, de boca fechada e com o cérebro e os ouvidos bem abertos. Quem cala, vence. Assim, simples e objetivamente.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Todo fim de ano







Todo ano é a mesma coisa. Férias de verão, carnaval, páscoa, dia das mães, festa junina, dia dos pais, dia das crianças e Nossa Senhora Aparecida, finados, natal e ano novo. A gente sempre tem uma programação mental para o ano que está começando. Percorremos os doze meses em pensamento numa fração de segundo, e estabelecemos um monte de metas que sabemos que provavelmente ficarão sem se cumprir. E a gente sabe bem o porquê. Quase nunca nos esforçamos o suficiente pra que as coisas aconteçam. E, se não nos esforçamos, é porque certos planos nem eram tão importantes assim. Ao menos, não naquele momento. Pode reparar: quando queremos muito uma coisa, ou realmente precisamos dela, a gente dá um jeito. Passa noite acordado, deixa de comprar coisas supérfluas, abre mão de qualquer tempo livre. Se desdobra em mil, se vira, mas dá conta. E aí, como nem sempre os planos dão certo, nos atormentamos por não ter seguido a lista perfeita de metas de fim de ano velho e início de ano novo, que se torna um pequeno manual de obrigações utópicas.

É engraçada essa mania de querer ter um roteiro pra tudo, mesmo sabendo que quase nada vai acontecer daquele jeito. Tem aí um quê de ansiedade, uma necessidade descontrolada de ter o mundo todo ao alcance dos olhos. Na pressa dos dias, às vezes, a gente se perde, e não percebe o quanto é bom uma surpresa de vez em quando. Uma mensagem quando você não esperava, uma palavra de quem nunca imaginou, encontros inesperados, uma saída casual, só pra tomar um sorvete num domingo à tarde, histórias que te arrancam sorrisos revigorantes depois de um dia cheio de problemas e trabalho pesado. A casualidade torna a vida mais leve e bonita e, ainda assim, insistimos em calcular cada detalhe dos nossos próximos cinco ou dez anos.

Não sou tão radical. Sei que qualquer extremismo é, no mínimo, pouco inteligente. Ninguém vive de luz nem coloca as roupas na mala quando dá na telha e simplesmente vai escalar o Everest. Tem hora em que é mesmo  preciso organizar as coisas e ter um plano A, B e C. Mas, entrar em colapso nervoso cada vez que algo se desvia um pouco da rota é virar as costas pra outra oportunidade que está pulando alegre na sua frente, suplicando pra ser notada.

Quantas vezes a gente tem a impressão de que os dias passaram em branco, porque estivemos mais ocupados lamentando o que não deu certo que vivendo o que a gente podia ter? Nem sempre é tão fácil aceitar as condições que a vida nos impõe. A realidade é bem diferente das incríveis expectativas que costumamos alimentar.

Se tem uma coisa que aprendi este ano foi a deixar o tempo correr no ritmo que tem que ser e não apertar o passo nem desejar voltar atrás. O que fiz está feito, e o que não fiz, ainda posso fazer se for mesmo valer à pena. Pra tudo, tem solução, e é inútil tentar agradar a todos e dar conta de tudo. Tem hora que a solução é simples: não solucionar. E já que, em todo fim de ano, as pessoas têm o costume de fazer um balanço e chegar a uma conclusão, a minha não poderia ser outra que não fosse entender que o que a gente precisa, de verdade, é viver um dia de cada vez. Cada passo que dou me faz avançar no caminho que escolhi percorrer, e sei que quanto mais pressa eu tenho, mais me atraso, porque quanto mais corro, maior é o impacto que os obstáculos causam  sobre mim, me obrigando a parar por um tempo maior pra consertar os estragos causados. Dizem que, em 2012, o mundo vai chegar ao fim. Acho uma grande bobagem sensacionalista, como a da passagem de 1999 pra 2000. Mas, se por acaso tudo acabar antes da gente se encontrar por aí, quero te dizer que, pra mim, 2012 já valeu muito à pena, porque eu aprendi a viver os dias sem pensar no ontem ou no amanhã, e tive o prazer de conhecer um sentimento de realização por estar completa. Esse sentimento que só visita o coração de quem está, por inteiro, no presente.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Vivemos esperando


Todo mundo vive em busca de um grande amor. Desde que nascemos, ou ainda na barriga de nossas mães, as pessoas começam a fazer planos de namoro para nós. Sempre tem um amigo do pai que vai ter um filho na mesma época, e já deixa encomendado o casamento com a filhinha do amigo. Claro que hoje isso não passa de brincadeira, mas desde sempre nos ensinaram que pra sermos felizes, precisamos encontrar alguém que combine em tudo com a gente ou que seja totalmente o oposto. Aí vocês têm que ser tomados por uma paixão avassaladora que feche seus olhos pra todas as diferenças e se amar muito, muito, muito mesmo! Se casam, têm filhos e nunca fazem nada de errado, nunca magoam nem decepcionam o outro e são felizes para sempre.

Eu queria saber de onde surgiu esta história de amor perfeito. Todo ditado popular tem uma origem, toda crença e todo mito tem uma explicação. Pois então!Quem foi que inventou que alma gêmea existe?Quem foi que disse que é possível que um homem seja sempre gentil, fiel, sincero e companheiro?E pior: qual é o bando de loucos que até hoje acredita em toda esta história pra boi dormir e no beijo que acordou a bela adormecida?

Desculpa se te decepciono. Você pode até me xingar e desistir desta leitura, mas preciso dizer que ninguém vai entrar na sua vida e transformá-la, de repente, em um conto de fadas.Nenhuma pessoa em sã consciência vai carregar água na peneira pra você e esquecer que a vida dela existe.Essa pessoa nasceu sem você e se precisar, vai continuar vivendo sem você.E bem.E feliz. A felicidade só depende da própria pessoa, e não da mãe, do pai, do tucano, da tia, do avô, sobrinho, namorado ou marido. Quem não se ama primeiro, transparece sua falta de amor. E cá entre nós: quem é que quer alguém incapaz de amar a si mesmo? O coração é esperto, gosta de quem se trata bem, se cuida e se valoriza. E está certo! Amor não é enfermaria pra curar feridas ou doença. O amor de outra pessoa existe pra melhorar, pra complementar e não pra servir como prato principal.

Nunca vai haver alguém que atenda a todos os seus desejos, porque expectativa é coisa que só existe dentro da nossa cabeça. Quem sabe aquele cara não seja assim tão lindo como você queria, nem te mande flores em todos os aniversários de namoro ou mensagens todos os dias, mas seja o mesmo cara que te trata com carinho e respeito exclusivos?Ou quem sabe a mulher que você conheceu não seja uma exímia cozinheira, e talvez seus amigos nem a achem tão bonita, mas será ela que vai estar ao seu lado pro que der e vier?

Existe sim gente que ainda dá certo, gente que ainda respeita e quer construir alguma coisa séria, mas pelo amor de Deus, não espere um Brad Pitt ou uma Angelina Jolie aparecer na sua vida. Nem acredite que seu namorado vai querer estar o tempo todo com você e adorar assistir às suas comédias românticas preferidas, ou que a sua esposa vai amar quando você pedir pra ela buscar uma cerveja. Não espere por alguém perfeito, porque você também não é.

Se todo mundo se preocupasse menos em satisfazer a opinião dos outros e olhasse um pouco para quem realmente o considera, as pessoas se encontrariam mais. Se os estereótipos fossem abandonados, a vida teria um gosto diferente, que só se deixa saborear quando permitimos que as pessoas nos mostrem quem elas são, o invés de atacá-las com infinitos pensamentos preconceituosos. Tem pessoas fazendo muito pra aparecer e enxergando qualquer tentativa de manter uma aproximação cordial como uma investida amorosa. Outras, deixando de dar valor a quem merece pra servir de coadjuvante na vida de quem já tem seus protagonistas. Tem gente que deve gostar mesmo de sofrer. Vai entender.



domingo, 18 de novembro de 2012

O último dia






Já havia algum tempo que eu não sentia mais as coisas como antes. Desde que a vida me levou quem eu mais amava, precisei encarar os problemas de frente, com a certeza de que, se não o fizesse, o mundo me engoliria sem dó nem piedade e me transformaria em mais uma vítima da realidade, sem eira nem beira, e sem qualquer chance de esperança em um milagre ou em um resgate. Foram poucos anos de convivência, mas, ainda assim, foi o mais belo exemplo que alguém pôde ter. Não tenho muitas lembranças dela. Era muito nova, eu creio. Uma de minhas poucas recordações é o dia em que tudo aconteceu.

Era um sábado ensolarado, e ela havia chegado ansiosa do trabalho. Íamos ao clube. A gente não tinha dinheiro e a vida não era fácil, mas com o pouco que tínhamos nunca passamos necessidade. Ela jamais teria deixado. Trabalharia dia e noite se fosse preciso. Lembro que ela mandou que eu vestisse o maiô azul de listras laterais verdes que tia Beta havia me dado de natal. O mesmo que eu vestia na única foto que tenho daquela época. Tiramos antes de sair, com a velha máquina de filme. Ela estava linda, radiante. Finalmente tinha conseguido juntar dinheiro para pagar nossas entradas no clube da zona sul. Era um lugar de elite, pessoas como nós não o frequentavam. Tinha três piscinas enormes e um tobogã que quase levava a gente na porta do céu, como ela costumava dizer. Ela adorava praias, piscinas e tudo o mais que a fizesse se sentir livre, em suas próprias palavras: flutuando alegre, como se estivesse nos braços de Deus. E foi exatamente naquele dia que minha mãe me deixou para se aconchegar nos braços d'Ele.

Fomos olhadas com certa desconfiança pelo porteiro, mas como pagamos devidamente as entradas, ele nos deixou entrar. O semblante dela era de alguém que estava realizando o maior sonho da sua vida. Acho que não me lembro de tê-la visto tão feliz assim em outra ocasião.

Brincávamos juntas na piscina. Ela parecia mais criança que eu. Notei que as pessoas nos olhavam receosas e perguntei a ela o porquê. Nunca vou esquecer aquela resposta, que logo fez meu inocente coração voltar à distração, mesmo sem entender muito bem o que ela quis dizer. ”Não liga, minha filha, nosso dinheiro vale tanto quanto o de qualquer outro aqui.” Na última vez que eu pude olhar em seus olhos, vi a expressão assustada, por causa da gritaria que começou. Três homens, bem vestidos, haviam entrado ordenando que todos se deitassem no chão. Na hora que ela percebeu o que estava acontecendo, segurou forte o meu braço e fomos apressadamente para a saída. Eles iam em direção ao escritório que ficava nos fundo do clube, à esquerda. Quase cruzávamos o portão, quando um deles nos viu e gritou para o outro que tinha gente fugindo. Esse outro mandou ele atirar, mas ele hesitou. O outro gritou de novo, mais agressivamente. Minha mãe virou-se num ato de reflexo, e o tiro acertou-a em cheio no peito. Ali, com minha mãe sangrando no chão, escorreu também a metade de mim que nunca mais voltaria a existir. Foi o pior momento da minha, até então, breve vida, e continuará sendo, ainda que eu viva mil anos.

Cresci e me tornei adulta, sem que ela pudesse ver e me abraçar a cada lágrima que eu chorei ou a cada sorriso que dei. Sei que era isso que ela faria se estivesse aqui. Minha mãe, sempre tão doce. Honesta, batalhadora.  Tiraram dos meus braços, ainda tão jovem, a única pessoa que afastava todos os meus medos apenas com sua presença.

Dezoito anos depois, hoje ela ainda faz falta aqui, mas a dor que no início dilacerava cada pedaço de mim, deu lugar à saudade de tê-la comigo e de todos os momentos que não pudemos viver juntas.

Mesmo tendo passado tanto tempo, até este exato segundo não consigo entender como uma pessoa tem a coragem e a covardia de privar outra pessoa de viver ao lado de alguém que tanto ama. É um corpo que se vai e vários corações que ficam, lutando para manter o ritmo das suas batidas. Éramos pobres e morávamos num bairro de classe média baixa, mas foi ali, num clube de classe alta, que nossas vidas foram, impiedosamente, marcadas para sempre.

domingo, 11 de novembro de 2012

Aquele domingo



O teto girava. Parecia que ia desabar. Minha respiração cada vez mais ofegante não me dava escolhas: tinha que tentar sair. Levantei da cama e agora, quando paro pra pensar em tudo, nem sei como consegui. Sentia meu estômago embrulhar. Minha cabeça estava explodindo. Tentei encontrar a chave da porta de entrada, mas não achei. Minha intuição sempre me disse que essa maldita mania de jogar a chave em qualquer lugar ainda ia acabar comigo.

Voltei para o quarto e dei uma volta inteira. De desespero, de medo, de agonia. Fui para o banheiro e me ajoelhei diante do vaso na esperança de que, num reflexo, todos os meus males se acabassem instantaneamente. Senti muito medo. Esperava por um movimento involuntário e atípico do corpo humano. Em vão. Sentia meu corpo fraco, quase não podia me manter de pé. Eu e o nada, em um apartamento de 120 m². Sozinha.

Era um domingo chuvoso, e tudo o que eu queria era sobreviver até a próxima semana. Sabia que na próxima vez em que eu visse o pôr-do-sol, nada seria igual. Os assuntos sem graça dos vizinhos chatos não seriam mais tão inconvenientes, as oito paradas do elevador até chegar à portaria não demorariam mais tanto tempo. Nada demorou tanto quanto aquele fim de tarde, presa em minhas próprias limitações. As filas enormes no supermercado não seriam nada. Até as músicas de mau gosto das casas ao redor do prédio seriam toleráveis. Eu estaria viva e, naquele momento, só isso importava.

Abri a geladeira e tomei um copo de suco de manga. Achei que um pouco de glicose me faria bem. O bolo que levei da confraternização da produtora saltou aos meus olhos como ouro. Nunca rejeitei nada de chocolate. Até eu mesma me estranhei na hora. Patrícia insistiu tanto para que eu levasse aquele pedaço de bolo que acabei fazendo mais para agradá-la. Mal sabíamos que seria o pedaço de bolo que ia salvar a minha vida.

Eu tinha chorado muito. Eram muitos problemas rondando minha cabeça ao mesmo tempo. A saúde da vovó, as brigas com meu pai, o término com o Marcos, a proposta indecente da nova editora e, agora, essa possível mentira da Elena. Era coisa demais pra mim. Era muita coisa em pouco tempo, dúvidas demais para pouco coração, e meu corpo não estava mais aguentando.

Nunca pensei que isso aconteceria comigo. Eu, que sempre fui forte. Eu, que sempre estive ali, para ajudar a quem precisasse e, com as fatalidades da vida, acabei me acostumando a estender a mão sem que ninguém me estendesse de volta. Eu, que aprendi na marra a ser gente grande e nunca precisei de colo de ninguém pra me reerguer.

Fiquei assustada. Tive medo de morrer ali mesmo. Pensei um monte de absurdos. E se só dessem falta de mim uma semana depois? Eu morava sozinha, longe da minha família. Certamente, sem me ver por alguns dias, o pessoal do prédio ia achar que viajei sem avisar, nada demais. O Marcos ia achar que eu estava fazendo jogo duro, o que era bem a minha cara. Mas, e no trabalho?No trabalho iam perceber que tinha algo estranho. Eu sempre dei o meu sangue por ele. Estava lá, todos os dias. Úteis, finais de semana, feriados... Dormia e acordava pensando nele. Eu gostava, era como endorfina     para minhas veias. Sempre ele! Me salvando de todos os tipos de problemas.Meu trabalho era minha vida.Era o que eu amava fazer.Me preenchia de uma maneira tão encantadoramente inexplicável, que o mundo poderia cair, mas eu ficaria bem se ele estivesse de pé.Sempre fui meio arredia e orgulhosa.Nunca gostei de depender de ninguém, desde criança.

Deitei no sofá e senti que meu estômago estava agradecendo aquele alimento, e as náuseas passavam. Dei graças a Deus por ter voltado a pensar que ainda teria vida pela frente. O vento que vinha da janela da frente batia bem no meu rosto, e aliviava aquela sensação horrenda, fazendo com que, aos poucos, eu retomasse a calma. Acho que adormeci logo em seguida. Não me lembro.

O frio estava desconfortável e acabou me acordando. Despertei apreensiva, mas percebi que o mal-estar tinha passado. Quem sabe foi o vento que se incumbiu de dar uma volta pela casa e levá-lo consigo?!Quem sabe foi o bolo dado de tão boa vontade por Patricia?!Quem sabe foi o sono profundo que tomou conta de mim e recarregou minhas energias?!Ou talvez tudo isso junto.

Naquele dia, percebi que quanto mais forte a gente acha que é, mais medo temos quando descobrimos o quanto somos fracos. Muita gente diz que não dar conta de abraçar o mundo é fraqueza, e que quando você diz o quanto seu coração está doendo, é porque você está padecendo de frescura. Alguns limites existem para serem quebrados. Outros, respeitados. Quando a gente carrega o mundo nas costas, uma hora as coisas ficam pesadas demais e precisamos parar, pelo menos para respirar um pouco e recuperar o fôlego para seguir em frente porque, apesar de tudo, a vida sempre continua.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

(Des) Esperando




Agora é só esperar!Nada como o alívio de ter cumprido todas as obrigações da semana e estar livre da responsabilidade de ter alguma coisa dependendo de você pra acontecer. Nada de trabalho, tudo pronto. É só aguardar.

Mas, uma inquietude imensa toma conta de mim. Não consigo fica tranqüila sabendo que estou aqui, sentada (ao menos isso), sem nada pra fazer, só esperando. Eu deveria relaxar, descansar a mente. Devia pensar em tudo aquilo o que eu quero todos os dias, mas não posso porque tem um milhão de coisas à frente na lista de prioridades. Não dá. Não consigo ficar em paz sem encontrar qualquer bobagem material pra me distrair. O celular, a agenda, um papel de bala... Qualquer coisa que me tire dessa angústia e faça minhas pernas pararem de balançar por um minuto.

Tenho resistência em simpatizar com o sossego. Deve ser isto. Sempre pensando em alguma coisa, sempre me incumbindo de tarefas que ocupem cada minuto do dia e não me obriguem a permanecer no vazio do tempo e na breve infinitude das horas.

Tentei pensar em nada, mas aí já estava pensando em algo: pensar em coisa alguma. Minha paciência grita, berra, suplica por socorro. Meu corpo não encontra mais novas posições a serem experimentadas. Olho no relógio e vejo que 20 minutos se passaram. Para mim pareceu toda uma vida. A mim, parecia meio século de agonia incessante.

As pessoas se encontram. Matam sua aflição. Só quem eu espero parece jamais chegar. E se tiver ido embora?Ou desistido de chegar?E se toda essa infindável espera tiver sido em vão?Ah, mas eu mataria o ordinário! Não exercitei minha paciência de maneira incomum pra terminar numa espera infrutífera! Mas a gente combinou. Ele garantiu que me encontraria aqui. Foi até bem convincente, não dava sinais de que iria furar. Mas, eu já tinha ouvido falar da sua vasta experiência em dar bolos. Se eu fosse um pouco mais racional, iria embora agora. O telefone toca:

-“Ué, estou aqui te esperando! (...) O quê? Você já foi? Já faz bastante tempo que estou aqui! (...) Vai me esperar onde? Sei, sei onde é sim.”

-“Então tá. Estou te esperando. Não demora hein?! Tchau.”

Aquela audácia me tirou do sério. Fiquei um tempão plantada esperando, acreditando que desta vez ele poderia realmente aparecer, ao contrário do que dizia sua má fama, e ainda me vem com essa de “não demora”!

-“Espera!”

-“Oi?”

-“Você vai me esperar aí mesmo?”

-“Claro.” – com o mesmo tom convincente de antes.

-“Tudo bem então, vai esperando.Tchau!”

-“Hã?”

Tú,tú,tú...

Passei por outro caminho e fui pra casa. Tem dias em que, de tanto esperar em um mesmo lugar, a gente deixa de passar por outros bem melhores, que estão logo ali, bem ao nosso lado.

domingo, 28 de outubro de 2012

Presente futuro


Não!Esta é a palavra de ordem nos dias atuais. Não, as pessoas não querem assumir responsabilidades. Não, as mulheres não querem mais ter filhos. Não, os jovens não querem nem ouvir falar em namoro. Não, ninguém quer abrir mão da boa vida. Não, ninguém aceita ouvir não!

Fico me perguntando em que momento surgiu uma sociedade tão individualizadora e egoísta. Ainda há umas duas décadas, era uma geração que usava fraldas, louca de vontade de colocar as manguinhas de fora, rindo das pobres vítimas de seu plano de extermínio socioafetivo. E a hora chegou!As asinhas cresceram, e como uma borboleta que sai do casulo, as crianças alçaram voo, ansiosas por desbravar o vasto mundo que as esperava, dispostas a mudar cada detalhezinho, até que ele ficasse exatamente do seu jeito. E conseguiram. Agora, cada vez mais cedo, rompem seus casulos, e algumas adquirem deficiências emocionais por precipitarem o tempo do ciclo.

Raro é não ver meninas de dez anos vestidas como mulheres de vinte e cinco. Notório é não receber um pedido de autorização do seu primo de sete em uma rede social. Louvável é encontrar um “rapazinho” de nove que ainda não passa o dia grudado no celular. Isso sem falar nos amores platônicos (ou não, o que é ainda pior!) das “mocinhas” de oito. Não existem mais crianças. Hoje, nascem pequenos adultos, já condenados ao sofrimento de ter que lidar com a frustração de um dia se descobrirem imperfeitos e limitados. O mundo evoluiu em um ritmo tão acelerado, que passou para o piloto automático. Não damos mais conta de tantas mudanças simultâneas.

Sim, as mulheres estão certas em adiar a maternidade em busca do crescimento profissional e os profissionais em não aceitar, de cabeça baixa, as imposições injustas de seus chefes. Os jovens não erraram ao começarem a agir mais com a razão que com seus, antes, tão insensatos corações. Perceberam que , ao contrário do que se pensava, é possível aproveitar a juventude sem se ver obrigado a acabar com as cobranças sociais e apresentar um namorado ou uma namorada pra família. Ninguém depende mais de ninguém pra ser feliz. Estamos na era dos jovens empresários brilhantes e dos escritórios virtuais. O ser humano descobriu que pode ir além, mas se empolgou demais com tantas possibilidades e esqueceu de trocar o acelerador pelo freio, de vez em quando. O resultado desse exagero indiscriminado são pais que não conseguem mais controlar seus filhos e filhos que já se consideram suficientemente adultos para as festas, mas ainda muito jovens pra arranjar um emprego. É a desvalorização das famílias e das pessoas, e valorização demasiada do indivíduo e do consumo. É a internet usada irresponsavelmente e o acesso irrestrito a tudo, o tempo todo. Essa é a cara dos anos dois mil.

Finalmente, aprendemos a aprender com o erro dos outros, e não precisamos mais dar de cara na lama pra entender o mundo. Porém, o medo constante de ser passado para trás e a necessidade de estar sempre à frente, transformaram uma sociedade cheia de recursos em uma especialista em distanciar seres humanos. Tanta autoproteção tem gerado verdadeiros mendigos de afeto, aparentemente saudáveis, mas com o coração sangrando e aos prantos; excelentes na arte da digitação, mas totalmente incapazes de arriscar uma conversa casual.

Vai chegar o dia em que as pessoas não se olharão mais nos olhos e os abraços ficarão no passado. Será expressamente proibido se aproximar de alguém, para evitar ser contagiado por características tipicamente humanas. Todos nós desaprenderemos a ser gente. Viveremos enfurnados em casa, trabalharemos online, compraremos online, comeremos online, dormiremos online. Seremos uma comunidade altamente evoluída, e não haverá nada que nos seja impossível nem ninguém que nos abale, não é mesmo?!Não!Não é mesmo. Espera aí...O que é isso? Já tem gente se identificando e protestando contra este texto. Via facebook, obviamente.

A intempestividade dos desejos



Lembrou-se do cheiro da terra úmida no quintal, quando o jardim era regado nas noites frescas de verão, que colocavam uma breve pausa no calor escaldante característico da pequena cidade. Assistia à novela, na companhia da mãe, enquanto via, pela porta da sala, o pai cuidar das flores, com dedicação e satisfação estampada no rosto, agora despreocupado. Desde que se lembrava, cozinha não era mais lugar só de mulher, tampouco as flores, com todo o encanto e a leveza com que cativavam, eram exclusividade feminina. Em sua casa, nunca houvera disputa ou hierarquia de poder. A mãe era mãe e, de vez em quando, irmã, no melhor sentido da palavra. O pai era pai e, às vezes, dava o ar da graça no papel de mãe. Nunca havia imaginado o quanto aquelas noites lhe trariam saudades.

Um dia cismara em perder-se no mundo. Dar as caras em outro lugar, esquecer que teve pai e mãe, mostrar que se tornou dono do próprio nariz. Bem distante, ninguém ousaria tirar-lhe das mãos o troféu conseguido com tanto ardor. Vivia a certeza. Sentia o sonho se aproximar. Era tudo uma questão de tempo, até que pudesse se vangloriar de sua performance ímpar.

O tempo passou e as idéias alcançaram estágio de maturação. O terreno mais fértil de sua existência trabalhava de maneira assustadoramente rápida e confusa. Sentimentos completamente imprecisos colocavam onda em rio e canoa em maré. A compreensão era resultado raro e, às vezes, conformava-se com pensamentos amalucados, sem origem nem destino, que mal davam fé de si mesmos.

Foi. Não que quisesse ir, mas a vida empurrou. Muita gente remando a favor da correnteza e acabou indo também. De tempos em tempos, deitava-se no barco, de barriga para a lua e apreciando as estrelas, e protagonizava um eterno diálogo não correspondido. Talvez, o brilho das constelações fizessem brilhar também sua alma. Imaginava coisas e comprovava o contrário. Perdeu muitas batalhas travadas com suas próprias necessidades. Começou a entender a lógica tão ilógica do mundo. Amou e desamou. Percebeu que não era amor. Se amou. Descobriu a ciclicidade dos fatos e dos sentimentos.

O seu tempo no tempo terreno apenas se iniciava, mas o peito já palpitava de ansiedade, porque cada dia a mais, era um a menos. Só de serem pensadas, as próximas dezenas e centenas deles já faziam sentir a distância, cada vez maior, daquelas noites de verão, que eram, do seu pequeno mundo, a mais alta expressão da felicidade simples e plena. O cheiro da terra ainda adentrava em suas narinas, assim como a luz que um dia clareou o quintal iluminava seus olhos, livrando da escuridão do porvir e permitindo sentir, pela última vez, a ternura e o aconchego daqueles momentos doces. Queria viver só mais um dia das crianças, e envolveria, num abraço, as flores que, em silêncio, gritavam a alegria de sua presença, para então aceitar perder-se na vida, carregando as memórias inocentes, que dariam cor ao futuro e um dia se ajuntariam à saudade de ter selado o beijo mais sincero e saboroso de que a vida já deu notícia.

                                                                                                          Jéssica Vieira.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Para sua estrela brilhar



Um dia todo mundo se cansa. Sei que a vida dos outros às vezes parece mais interessante do que a nossa. E não venha me dizer que você nunca pensou assim. Não me diga que nunca se perguntou por que fulano sempre teve tudo e você nunca teve a mesma chance. Não venha me dizer que nunca sentiu vontade de estar no lugar daquela pessoa que frequentava os mesmos lugares que você, era quase igual a você, com a diferença que ela tinha a vida que você pediu pra Deus. Não tente me convencer que seu amor próprio é tão impecável a ponto de nunca ter sido abalado por uma crise de autoestima. Por favor, não fale isso pra mim, porque, sinceramente, eu não vou acreditar.

Quase todo mundo já pensou em ter a vida das estrelas de televisão, dos cantores famosos, que vivem de turnê em turnê, e aparecem glamourosos nos DVDs de superprodução hollywoodiana. Mas, as pessoas sentem mesmo aquela ponta de inveja é de quem está por perto. Quem está longe vive numa realidade paralela, que chega a parecer inalcançável aos “simples mortais”, e todo mundo se conforma, e se convence de que aquilo é pra uns poucos. Difícil mesmo é aceitar o sucesso de quem está próximo, submetido às mesmas condições existenciais que você, e que, por um ou outro motivo, alcança patamares aos quais as pessoas à volta ainda não conseguiram chegar, seja pelo trabalho duro ou pela sorte de ter nascido em berço de ouro.

E por falar nisso, nascer em berço de ouro nem sempre é sinônimo de felicidade. O trabalho edifica mesmo o homem, e é justamente isso que, muitas vezes, falta pra quem vê os outros se dando bem e não entende o porquê de não acontecer com ele também. É que tem gente que ainda acha que existe conquista sem esforço. Eu sei que tem umas coisas meio estranhas no mundo, que tem gente que nasceu virada pra lua e não tem como explicar a sorte destas criaturas. E sei também que, da mesma maneira, tem pessoas que lutam com tudo o que podem, e ainda se deparam com um resultado que não era esperado. Mas tudo tem a sua hora e, plantada da maneira certa e cuidada com esmero, toda semente produz bons frutos, ainda que demore. Cada semente tem seu tempo de germinação, assim como cada fruto tem seu tempo de maturação. Por isso, se as coisas não têm saído como o planejado, não significa que pra sempre será assim. A persistência, aliada à fé, produz resultados surpreendentes.

Sentimento quando é sufocado, sufoca. Dores e desejos ignorados ou reprimidos apertam o peito de uma maneira inexplicável, e causam outras dores ainda maiores. Assumir pra nós mesmos aquilo que existe em nosso interior é a melhor forma de trabalhar nossas necessidades mais urgentes. Se a gente não tenta se enganar, o que, aliás, é uma grande perda de tempo, já que muito antes de arranjar uma boa desculpa que convença a si mesmo, você já sabe que está mentindo, conseguimos lidar melhor com os problemas e com as nossas imperfeições, e encontrar uma forma de agir em busca daquilo que desejamos. Esperar demais do acaso é o mesmo que entregar a sua vida na mão dos outros: provavelmente, vai ficar por toda a vida à espera de um verdadeiro milagre. Dinheiro e aparência não constroem caráter nem garantem felicidade, e quando a gente luta, a vitória tem mais sabor e mais valor, além de não se perder com o tempo, porque quem faz uma vez, faz quantas mais forem preciso. O pensamento e a palavra só são eficazes quando se tornam atitudes.

domingo, 30 de setembro de 2012

Pequenos milagres



Às vezes, a vida sorri de uma maneira inacreditável. Passamos por uma fase boa, em que tudo dá certo. Nada te abala, ninguém te estressa nem tira do sério, porque parece realmente que o anjo da sorte acertou uma flecha em você.E quase sentimos que alguma coisa está prestes a estragar tudo, não fosse pelo esforço que fazemos para convencer, acertadamente, a nós mesmos, de que tudo não passa de uma estratégia do medo, sussurrando aos nossos ouvidos para tentar fazer a gente sabotar a própria felicidade.Se está tudo certo, é porque tem que estar tudo certo mesmo.Sem essa de que felicidade demais é tragédia à vista.

Desconheço alguém que não alimente desejos.Um mendigo sem nenhuma perspectiva deseja, nem que seja uma esmola, e um suicida que já não suporta a própria existência deseja, nem que seja a morte.A maior parte das pessoas têm desejos constantes.Quando realizam um, pulam para o outro, e assim vão encontrando significado para os dias. Todo mundo tem aquele sonho que faz o coração viajar para longe e alcançar territórios que gritam por ocupação, cheios de novidades; sonhos que dispensariam qualquer outra coisa no mundo. Tem certas coisas que simplesmente preenchem e completam, como se você tivesse sido designado para elas mesmo antes de nascer. Desde sempre.

Certos dias, sem saber, a gente ganha um brinde lá no céu, e é surpreendido com acontecimentos improváveis, que acabam estampando um sorriso na alma e conferindo à vida uma dose a mais de cor. Um emprego que você nem lembrava mais de ter procurado; alguém que apareceu do nada, e pra falar a verdade, que você nem sabe explicar como pode tê-lo encontrado; um compromisso ao qual você foi por obrigação, mas voltou vibrando de alegria. Vez ou outra, elas aparecem, e pode ser bom dar oportunidade às oportunidades.

Pequenos milagres acontecem todos os dias. O cotidiano está repleto deles. Tão minúsculos, que se tornam invisíveis aos olhos de quem não se dá um minuto para refletir sobre tudo. Ou sobre nada, porque já reparou como as coisas sempre têm mais chance de dar certo quando não se cria expectativas?Os terrenos mais férteis estão nos momentos mais comuns. Ninguém tem uma boa ideia quando quer. Ela apenas surge, sem hora nem data marcada. Todo milagre é grandioso por essência, o problema é que as pessoas sempre esperam por shows de sobrenaturalidade.

Tem situações que chegam para não desanimarmos, mesmo que não seja o que esperávamos, mesmo que a gente pense bem e resolva dizer não. Acho que Deus, às vezes, quebra a rotina pra manter a nossa fé, quando já estávamos decididos a entregar os pontos. Muda a vida um pouco, pra gente não desacreditar que, mais cedo ou mais tarde, quando menos esperamos, alguma coisa boa vem.

domingo, 23 de setembro de 2012

Para filhos e netos




Tem coisas em que as pessoas só param pra pensar quando acontecem com elas. Até veem, mas fingem que não estão vendo, ou se compadecem por dois minutos e, depois, preferem esquecer, que é pra não sentir aquela ponta de dor ou de arrependimento. Mas, e quem está sendo afetado pela situação?Será que é justo simplesmente ignorar os sentimentos e sofrimentos dos outros e continuar tocando suas vidas, tranquilos e alegres, como se nada tivesse acontecendo?

De uns anos para cá, a expectativa de vida no Brasil tem aumentado. Mais precisamente, vinte e cinco anos em quatro décadas, segundo o IBGE. São milhões de idosos vivendo de diversas formas. Uns vivem bem, ainda com a presença do companheiro ou da família. Outros não têm tanta sorte e, depois de muita luta para dar aos filhos o melhor que puderam, são abandonados em suas casas, ou o que é pior: em asilos, como se tivessem se transformado em estorvo e sido reduzidos a objetos descartáveis, que as pessoas têm a opção de escolher se querem ou não.

Tem também os senhores e senhoras que sempre viveram em boas condições econômicas e, nem por isso, deixam de ser esquecidos. Nem todo o dinheiro do mundo supre a falta de carinho e afeto, e quando a casa se esvazia, com a ausência do cônjuge e a partida dos filhos, a solidão bate à porta e vem se tornar a única companheira.

Tudo bem. Todas as pessoas têm seus compromissos pessoais, tarefas inacabáveis no trabalho e em casa, mas alguém que dedicou toda uma vida e colocou os filhos à frente dos próprios interesses, merece um lugar especial na sua agenda lotada. Aqueles que deram a vida às pessoas que você hoje mais ama, merecem um pouco mais da sua atenção de neto. Eles não pedem muito. Um pouco de carinho e atenção é o suficiente. E não precisa ter o mesmo sangue, um gesto ou uma palavra, vindos de fora, colorem o dia de quem não pode contar com a própria família.

Como deve ser amargo o gosto do arrependimento quando, num futuro não muito distante, se chegar à mesma condição. Será duro sentir na pele o peso dos anos sobre os ombros, sem ninguém para ajudar a carregar. E como será triste perceber, já muito tarde, que se tivessem feito um pouco mais, teriam ensinado a seus filhos o valor primordial que tem a família, e estariam sendo tratados com zelo e amor, assim como fizeram a seus pais.

Quantas vezes os idosos contam, com saudade, dos anos que se foram?Lembrança boa, alegre, que faz reviver por um momento o doce sabor da vida e esquecer a realidade angustiante. Quem ainda é jovem, muitas vezes, não se importa, e esquece que a vida passa tão depressa que nossos olhos mal têm tempo para fechar e abrir novamente. Aquilo que a gente não quer passar, não se faz com os outros. Fazer alguém mais feliz custa menos do que a gente imagina, e faz um bem incomparável ao coração (dos dois).

domingo, 16 de setembro de 2012

A melhor idade



A verdade é uma só: a vida fica bem melhor depois que a gente cresce!Tudo bem que sempre tem aquela história de querer voltar a ser criança quando as coisas apertam um pouco mais, quando suas preocupações não se resumem mais a “a qual grupo vou pertencer na escola”, quando você responde pelos seus atos, e não pode mais ficar em aba de pai nem mãe, quando você precisa arranjar um emprego, quando começa um namoro ou quando te apresentam uma coisa chamada monografia. É você lutando por si mesmo. É claro que sempre tem aquele apoio da família e dos amigos, mas você é o ator principal, e sem você não existe cena.

Chega uma hora em que você para pra pensar em quem realmente é, e compara com o que gostaria de ser. Às vezes, dá vontade de sair correndo e chorar, berrar, espernear até perder a força, porque você descobre que já perdeu um tempão com um monte de bobagem, alcançou uma certa idade e ainda não conseguiu ser nem metade do que gostaria.Não passou nem perto disso!E depois da crise existencial você pensa de novo e vê que não vai servir pra muita coisa ficar reclamando. Até suas lágrimas precisam ser poupadas, afinal você não tem muita coisa e nunca se sabe o futuro, vai que um dia você precisa delas?!Brincadeiras à parte, a gente percebe que pra conseguir alguma coisa tem que pôr o pé na estrada e batalhar. Com força, com garra, com fé, mesmo que existam dias em que o desânimo pega a gente de jeito.

Mas também tem o lado bom, já que nada na vida é feito só de flores tampouco de dissabores. Depois da infância, em que a gente quer ser igual às outras crianças até o último fio de cabelo, e da adolescência em que tudo o que a gente quer é ser diferente (leia-se notado), chega um momento em que o que queremos de verdade é ser a gente mesmo. Sem imitações, sem complexos, sem preocupação com o que os outros vão pensar. Enfim, a gente aprende que  pode até ser o melhor que pode, mas enquanto fizer as coisas para mostrar aos outros, nunca será feliz de verdade. Porque a gente só é feliz quando consegue parar de se cobrar sem limites e aproveitar o que temos a possibilidade real de oferecer. A gente só vive em paz quando transparece, quando carrega no peito a alma desnuda, sem neuras, aceitando as particularidades da nossa vida, que nos fazem tão distintos, sem deixar de se assemelhar.

Um belo dia (e é belo mesmo!) a gente descobre que aprendeu a se amar e caiu na real de que bom mesmo é viver sem esquentar a cabeça com a opinião alheia, e que aquilo que nossos pais sempre disseram sobre ter vida, saúde, casa e comida é mesmo um grande motivo para se agradecer. Já existem regras suficientes pra ficar criando outras desnecessárias. Quanto mais livre melhor, quanto mais tranquilo, mais qualidade de vida. No dia (o belo dia) em que a gente se aceita, fazemos as pazes com a pessoa mais importante do nosso mundo. E passamos a achar bonito o que é só nosso. Um cabelo meio rebelde, um nariz meio torto, uns quilos a mais (ou a menos),umas sardas no rosto,um jeito meio engraçado de falar, um sobrenome ou a história da vida.Quando crescemos e chegamos na melhor idade, descobrimos que a vida pode ser muito melhor do que a gente achava quando criava problema por tudo.Mas, certo é que precisávamos mesmo pensar diferente pra amadurecer e mudar de opinião.Tem gente que diz que a vida começa aos 30, outros aos 40, 50, 60.E dizem que depois dos 20 o tempo voa.Deve ser porque a partir daí as coisas só melhoram, já que tudo o que é bom dura pouco.

domingo, 9 de setembro de 2012

Uma nova primavera




Temos uma mania estranha de sonhar com as coisas. E com as pessoas e o futuro. Criamos ideais e expectativas que, provavelmente, nunca se tornarão reais. A vida não é do jeito que a gente imaginou e as pessoas não são bem da forma que gostaríamos. Nem nós mesmos somos aquilo que queríamos ser. Quem insiste em se enganar sofre a demora de um tempo que nunca vem, e acaba se esquecendo de viver, sempre adiando os planos à espera de uma felicidade mágica (e inexistente).

Estamos constantemente insatisfeitos. Sempre criando histórias bonitas na imaginação. Desistimos de algumas, as pessoas destroem outras, e depois inventamos algo novo para acompanhar a corrida do tempo e quebrar a monotonia que já tomou conta de nós. É que tudo uma hora cansa, e a gente muda mais uma vez. Bagunçamos, para começar a pôr em ordem de novo, reinventando.

De vez em quando, as coisas acontecem de maneiras que não havíamos planejado ou, simplesmente, não acontecem.E a gente se pergunta o porquê, mas não vê nenhuma resposta esclarecedora.Seguimos em frente.A vida tem mesmo muita pressa, corre num ritmo acelerado, de mãos dadas com quem caminha e arrastando quem só queria ficar para trás.Então, algum dia, sem querer, a gente entende o motivo de cada coisa ter acontecido do jeito que foi. A gente consegue, já de longe (e justamente por isso), enxergar o passado de forma mais clara, e tudo se encaixa.

E vêm novos acontecimentos, surpresas, planos, novos gostos, novas alegrias, novidades. E a vida se transforma. Nós nos transformamos. Vemos o mundo por outros ângulos e sob uma nova ótica. Aprendemos a correr atrás, e também a aceitar o que foge ao nosso controle. Olhamos para nós e mal podemos acreditar que um dia fomos tão diferentes. Amadurecemos, mudamos de pensamentos, de conceitos, de opiniões e atitudes. E a vida fica mais colorida, porque descobrimos o jeito certo de olhar para ela e para todas as coisas boas que acontecem todos os dias, ao invés de repetirmos para nós mesmos, com tristeza, o que ainda não tivemos a chance de conhecer.

Para cada coisa existe um momento. Para cada pessoa, uma história. Diferente, parecida, mas única. Para todo problema, uma boa solução e para todo arrependimento, novas estradas pela frente. Para as lágrimas, as alegrias, e para sorrisos sinceros, outros sinceros sorrisos. Para as dúvidas, o tempo, e para quem acredita, um futuro que supera o melhor dos sonhos, pois toda semente regada com dedicação e paciência um dia irá florescer, e sempre virá uma nova primavera.

domingo, 2 de setembro de 2012

O amor da minha vida



Nesta semana, assisti aos depoimentos de dois jovens, em um grupo de oração, com o tema ‘família’. Ouvi histórias reais de dois deles, que abriram o coração e revelaram um pouco de sua intimidade para o grupo presente no momento. Acho bonito buscar a aproximação com Deus em uma realidade em que a moda é alcançar o prazer terreno e imediato.

Ainda que simples, foram narrativas bem interessantes acerca da instituição social mais antiga de que se tem notícia. Hoje, entidade familiar não se resume apenas a pai, mãe e filhos morando juntos na mesma casa, engessados num falso eterno final feliz. Ao longo do tempo, os laços afetivos passaram a ser o fator crucial para definir uma família, e a partilha dos problemas e alegrias diários deu um passo à frente dos laços consanguíneos. As pessoas pararam de acreditar que os conflitos que elas viviam não existiam na casa do vizinho. Fato é que, nas famílias, o que muda é mesmo só o endereço.

Um dos rapazes descreveu o prazer de sua mãe ao preparar sua comida predileta, que mesmo com muita pressa para sair, ele fez questão de, ao menos, provar, como forma de agradecimento a ela. O outro falou sobre a dificuldade do pai em demonstrar afeto, e da decisão que tomou de mudar diante da situação e dar o primeiro passo, para ver a mudança ocorrer também no pai. Muita gente refletiu sobre as palavras deles; muita gente chorou de soluçar, porque encontrou identificação e viu que todas as famílias passam por problemas, pois pela convivência diária, a gente acaba esbarrando em uma aresta aqui e outra ali, que só podem ser aparadas com muito amor.

No amor verdadeiro existe perdão. Quem a gente mais ama é quem a gente mais perdoa. E também somos todo o tempo, perdoados por nossas falhas. Quem a gente mais ama é também quem a gente mais fere. Porque é fácil ferir quem está sempre por perto e quem você sabe que vai relevar suas ofensas e te sorrir outra vez, sem mágoas nem ressentimentos. E, justamente por isto, não deveria existir ninguém a ser tratado por nós com maior zelo que estas pessoas. Mas não, a gente nem sempre trata bem. A gente nem sempre diz que ama. Mas, na hora da dificuldade, a gente faz o possível e o impossível por elas. Amor de família se manifesta assim, sem muitas palavras, mas coberto, dos pés a cabeça, de gestos, que por mais simples, revelam toda a grandeza de um sentimento nobre e incondicional. É a forma mais bonita e sincera de se dizer que ama.

Viver em família é isso. Amar e ser amado o tempo inteiro. Negar pra educar, brigar pra ver quem pode mais. Odiar em um momento e, no mesmo exato momento, não conseguir se imaginar na ausência dela. É estar pouco tempo ou a poucos metros longe e perceber a falta imensurável que te faz. É ter a certeza de que, mesmo com milhares de defeitos, a sua família é a melhor família do mundo. Depois da minha, é claro!

domingo, 26 de agosto de 2012

A vida alheia



Todos nós já vivemos alguma situação em que queríamos poder apertar o botão “pular”, e passar para a próxima fase. Os problemas adquirem as mais variadas formas: pode ser uma separação, a morte de alguém querido, uma doença, ou nada tão grave assim, mas que acaba machucando a gente. O fato de ser banal ou de ter uma escolha óbvia para os outros, não quer dizer que seja igual pra você, porque cada um foi criado de uma forma, tem traços de personalidade diferentes, cultivou alegrias e traumas diferentes e, juntando tudo, tornou-se quem é. Por isso, não dá pra julgar as pessoas num contexto genérico. Eu sei que a gente julga, eu sei que, de vez em quando (ou de vez em sempre), a gente se pega criticando o modo de agir de um parente, de um amigo ou de um vizinho. E quando para pra pensar, se dá conta de que dar palpite na vida dos outros é muito fácil, difícil é administrar a própria vida.

Quem nunca chamou a personagem da novela de trouxa e disse que no seu lugar já teria deixado o marido ou expulsado o filho de casa há muito tempo?E quem é que nunca falou com todas as letras que ja-mais perdoaria a amiga que teve um caso com o seu ex?E mais: quem não abriu a boca pra dizer que nunca aceitaria como mãe a mulher que esconde, com vergonha, o seu passado?Acontece que falar é uma coisa e fazer, considerando toda uma história de vida é outra bem diferente. Estar envolvido na situação é como mergulhar, faz a gente enxergar um outro mundo,que não pode ser visto pelo lado de fora. Não deve ser fácil jogar no mundo um ser formado em seu próprio ventre, a quem você, por longos nove meses (e inúmeros depois), dedicou tanto amor e carinho. Não deve ser fácil acabar com o sonho imaginado por toda uma vida e um dia, enfim, concretizado diante do altar. Não tem número que expresse o monte de possibilidades que passam pela cabeça de uma pessoa que precisa tomar uma decisão importante para ela. E não tem uma tecla no coração pra apertar e acabar com o amor.

A gente tenta resolver os problemas do jeito que acha certo e digno e, às vezes, até conseguimos nos transformar em uma espécie de robôs, indiferentes a tudo. Mas, uma hora a bateria vai acabando e a gente não pode se culpar por nem sempre conseguir estar por cima da carne seca. Ser humano é ter sentimento, que a gente não escolhe, feliz ou infelizmente. Ser humano é ser limitado. E é mais justo com você respeitar o seu limite, até estar confiante para dar um passo a mais.

Se a mãe não abandonou o filho, se a esposa perdoou o marido ou se a ex-amiga é amiga de novo, é exclusivamente da conta deles. É claro que cada um tem a sua opinião, mas é melhor guardá-la para uso próprio. Se o outro está feliz com a opção que ele fez, se não está se prejudicando, cada um que fique na sua. O que mais tem é gente achando que a vida dos outros é uma espécie de “Você decide”(aquele programa em que o telespectador decidia o fim do capítulo), e quando chega a sua vez de protagonizar a trama, escolhe um final igual ou pior. Só quem vive um conflito sabe cada detalhe da história, desde o início, e sabe dizer exatamente cada motivo que possui para falar sim ou não. Cada um que considere ou desconsidere suas razões e seus sentimentos. Afinal, como todo mundo que já leu uma frase em vidro traseiro de carro sabe: “Deus deu a vida pra cada um cuidar da sua”.