domingo, 28 de outubro de 2012

Presente futuro


Não!Esta é a palavra de ordem nos dias atuais. Não, as pessoas não querem assumir responsabilidades. Não, as mulheres não querem mais ter filhos. Não, os jovens não querem nem ouvir falar em namoro. Não, ninguém quer abrir mão da boa vida. Não, ninguém aceita ouvir não!

Fico me perguntando em que momento surgiu uma sociedade tão individualizadora e egoísta. Ainda há umas duas décadas, era uma geração que usava fraldas, louca de vontade de colocar as manguinhas de fora, rindo das pobres vítimas de seu plano de extermínio socioafetivo. E a hora chegou!As asinhas cresceram, e como uma borboleta que sai do casulo, as crianças alçaram voo, ansiosas por desbravar o vasto mundo que as esperava, dispostas a mudar cada detalhezinho, até que ele ficasse exatamente do seu jeito. E conseguiram. Agora, cada vez mais cedo, rompem seus casulos, e algumas adquirem deficiências emocionais por precipitarem o tempo do ciclo.

Raro é não ver meninas de dez anos vestidas como mulheres de vinte e cinco. Notório é não receber um pedido de autorização do seu primo de sete em uma rede social. Louvável é encontrar um “rapazinho” de nove que ainda não passa o dia grudado no celular. Isso sem falar nos amores platônicos (ou não, o que é ainda pior!) das “mocinhas” de oito. Não existem mais crianças. Hoje, nascem pequenos adultos, já condenados ao sofrimento de ter que lidar com a frustração de um dia se descobrirem imperfeitos e limitados. O mundo evoluiu em um ritmo tão acelerado, que passou para o piloto automático. Não damos mais conta de tantas mudanças simultâneas.

Sim, as mulheres estão certas em adiar a maternidade em busca do crescimento profissional e os profissionais em não aceitar, de cabeça baixa, as imposições injustas de seus chefes. Os jovens não erraram ao começarem a agir mais com a razão que com seus, antes, tão insensatos corações. Perceberam que , ao contrário do que se pensava, é possível aproveitar a juventude sem se ver obrigado a acabar com as cobranças sociais e apresentar um namorado ou uma namorada pra família. Ninguém depende mais de ninguém pra ser feliz. Estamos na era dos jovens empresários brilhantes e dos escritórios virtuais. O ser humano descobriu que pode ir além, mas se empolgou demais com tantas possibilidades e esqueceu de trocar o acelerador pelo freio, de vez em quando. O resultado desse exagero indiscriminado são pais que não conseguem mais controlar seus filhos e filhos que já se consideram suficientemente adultos para as festas, mas ainda muito jovens pra arranjar um emprego. É a desvalorização das famílias e das pessoas, e valorização demasiada do indivíduo e do consumo. É a internet usada irresponsavelmente e o acesso irrestrito a tudo, o tempo todo. Essa é a cara dos anos dois mil.

Finalmente, aprendemos a aprender com o erro dos outros, e não precisamos mais dar de cara na lama pra entender o mundo. Porém, o medo constante de ser passado para trás e a necessidade de estar sempre à frente, transformaram uma sociedade cheia de recursos em uma especialista em distanciar seres humanos. Tanta autoproteção tem gerado verdadeiros mendigos de afeto, aparentemente saudáveis, mas com o coração sangrando e aos prantos; excelentes na arte da digitação, mas totalmente incapazes de arriscar uma conversa casual.

Vai chegar o dia em que as pessoas não se olharão mais nos olhos e os abraços ficarão no passado. Será expressamente proibido se aproximar de alguém, para evitar ser contagiado por características tipicamente humanas. Todos nós desaprenderemos a ser gente. Viveremos enfurnados em casa, trabalharemos online, compraremos online, comeremos online, dormiremos online. Seremos uma comunidade altamente evoluída, e não haverá nada que nos seja impossível nem ninguém que nos abale, não é mesmo?!Não!Não é mesmo. Espera aí...O que é isso? Já tem gente se identificando e protestando contra este texto. Via facebook, obviamente.

A intempestividade dos desejos



Lembrou-se do cheiro da terra úmida no quintal, quando o jardim era regado nas noites frescas de verão, que colocavam uma breve pausa no calor escaldante característico da pequena cidade. Assistia à novela, na companhia da mãe, enquanto via, pela porta da sala, o pai cuidar das flores, com dedicação e satisfação estampada no rosto, agora despreocupado. Desde que se lembrava, cozinha não era mais lugar só de mulher, tampouco as flores, com todo o encanto e a leveza com que cativavam, eram exclusividade feminina. Em sua casa, nunca houvera disputa ou hierarquia de poder. A mãe era mãe e, de vez em quando, irmã, no melhor sentido da palavra. O pai era pai e, às vezes, dava o ar da graça no papel de mãe. Nunca havia imaginado o quanto aquelas noites lhe trariam saudades.

Um dia cismara em perder-se no mundo. Dar as caras em outro lugar, esquecer que teve pai e mãe, mostrar que se tornou dono do próprio nariz. Bem distante, ninguém ousaria tirar-lhe das mãos o troféu conseguido com tanto ardor. Vivia a certeza. Sentia o sonho se aproximar. Era tudo uma questão de tempo, até que pudesse se vangloriar de sua performance ímpar.

O tempo passou e as idéias alcançaram estágio de maturação. O terreno mais fértil de sua existência trabalhava de maneira assustadoramente rápida e confusa. Sentimentos completamente imprecisos colocavam onda em rio e canoa em maré. A compreensão era resultado raro e, às vezes, conformava-se com pensamentos amalucados, sem origem nem destino, que mal davam fé de si mesmos.

Foi. Não que quisesse ir, mas a vida empurrou. Muita gente remando a favor da correnteza e acabou indo também. De tempos em tempos, deitava-se no barco, de barriga para a lua e apreciando as estrelas, e protagonizava um eterno diálogo não correspondido. Talvez, o brilho das constelações fizessem brilhar também sua alma. Imaginava coisas e comprovava o contrário. Perdeu muitas batalhas travadas com suas próprias necessidades. Começou a entender a lógica tão ilógica do mundo. Amou e desamou. Percebeu que não era amor. Se amou. Descobriu a ciclicidade dos fatos e dos sentimentos.

O seu tempo no tempo terreno apenas se iniciava, mas o peito já palpitava de ansiedade, porque cada dia a mais, era um a menos. Só de serem pensadas, as próximas dezenas e centenas deles já faziam sentir a distância, cada vez maior, daquelas noites de verão, que eram, do seu pequeno mundo, a mais alta expressão da felicidade simples e plena. O cheiro da terra ainda adentrava em suas narinas, assim como a luz que um dia clareou o quintal iluminava seus olhos, livrando da escuridão do porvir e permitindo sentir, pela última vez, a ternura e o aconchego daqueles momentos doces. Queria viver só mais um dia das crianças, e envolveria, num abraço, as flores que, em silêncio, gritavam a alegria de sua presença, para então aceitar perder-se na vida, carregando as memórias inocentes, que dariam cor ao futuro e um dia se ajuntariam à saudade de ter selado o beijo mais sincero e saboroso de que a vida já deu notícia.

                                                                                                          Jéssica Vieira.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Para sua estrela brilhar



Um dia todo mundo se cansa. Sei que a vida dos outros às vezes parece mais interessante do que a nossa. E não venha me dizer que você nunca pensou assim. Não me diga que nunca se perguntou por que fulano sempre teve tudo e você nunca teve a mesma chance. Não venha me dizer que nunca sentiu vontade de estar no lugar daquela pessoa que frequentava os mesmos lugares que você, era quase igual a você, com a diferença que ela tinha a vida que você pediu pra Deus. Não tente me convencer que seu amor próprio é tão impecável a ponto de nunca ter sido abalado por uma crise de autoestima. Por favor, não fale isso pra mim, porque, sinceramente, eu não vou acreditar.

Quase todo mundo já pensou em ter a vida das estrelas de televisão, dos cantores famosos, que vivem de turnê em turnê, e aparecem glamourosos nos DVDs de superprodução hollywoodiana. Mas, as pessoas sentem mesmo aquela ponta de inveja é de quem está por perto. Quem está longe vive numa realidade paralela, que chega a parecer inalcançável aos “simples mortais”, e todo mundo se conforma, e se convence de que aquilo é pra uns poucos. Difícil mesmo é aceitar o sucesso de quem está próximo, submetido às mesmas condições existenciais que você, e que, por um ou outro motivo, alcança patamares aos quais as pessoas à volta ainda não conseguiram chegar, seja pelo trabalho duro ou pela sorte de ter nascido em berço de ouro.

E por falar nisso, nascer em berço de ouro nem sempre é sinônimo de felicidade. O trabalho edifica mesmo o homem, e é justamente isso que, muitas vezes, falta pra quem vê os outros se dando bem e não entende o porquê de não acontecer com ele também. É que tem gente que ainda acha que existe conquista sem esforço. Eu sei que tem umas coisas meio estranhas no mundo, que tem gente que nasceu virada pra lua e não tem como explicar a sorte destas criaturas. E sei também que, da mesma maneira, tem pessoas que lutam com tudo o que podem, e ainda se deparam com um resultado que não era esperado. Mas tudo tem a sua hora e, plantada da maneira certa e cuidada com esmero, toda semente produz bons frutos, ainda que demore. Cada semente tem seu tempo de germinação, assim como cada fruto tem seu tempo de maturação. Por isso, se as coisas não têm saído como o planejado, não significa que pra sempre será assim. A persistência, aliada à fé, produz resultados surpreendentes.

Sentimento quando é sufocado, sufoca. Dores e desejos ignorados ou reprimidos apertam o peito de uma maneira inexplicável, e causam outras dores ainda maiores. Assumir pra nós mesmos aquilo que existe em nosso interior é a melhor forma de trabalhar nossas necessidades mais urgentes. Se a gente não tenta se enganar, o que, aliás, é uma grande perda de tempo, já que muito antes de arranjar uma boa desculpa que convença a si mesmo, você já sabe que está mentindo, conseguimos lidar melhor com os problemas e com as nossas imperfeições, e encontrar uma forma de agir em busca daquilo que desejamos. Esperar demais do acaso é o mesmo que entregar a sua vida na mão dos outros: provavelmente, vai ficar por toda a vida à espera de um verdadeiro milagre. Dinheiro e aparência não constroem caráter nem garantem felicidade, e quando a gente luta, a vitória tem mais sabor e mais valor, além de não se perder com o tempo, porque quem faz uma vez, faz quantas mais forem preciso. O pensamento e a palavra só são eficazes quando se tornam atitudes.