quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O início






Naquela tarde, Marcos me deixou em frente ao prédio, como de costume. Me deu um beijo de despedida e disse ‘fica com Deus’. Nada fora do normal, mas eu comecei a sentir que alguma coisa estava começando a ficar errada.

Desci do carro, atravessei a rua e acenei pra ele antes de me virar e abrir o portão. Quando fechei o portão, e novamente fiquei de frente para onde Marcos estava parado, restava a vaga vazia. Ele arrancou muito mais rápido do que normalmente fazia. Sempre cuidadoso, não ia embora antes que eu entrasse no hall e, naquele momento, tive certeza de que havia algo estranho. Eu ainda não fazia ideia do que era, mas sabia que ia descobrir.

Subi e encontrei o apartamento exatamente como deixei. Cada vez que eu via tudo no lugar, me subia um alívio instantâneo. Desde que entraram na casa da vizinha e levaram até a geladeira, eu não me sentia mais tão segura como antes. Coloquei grades nas janelas e até na porta, chave tetra, câmera e alarme. Custou uma grana, mas fez com que eu me sentisse mais protegida.

Coloquei a bolsa na mesa e me joguei no sofá. Estava cansada e cheia de planos para o novo projeto da produtora. Agora que eu estava coordenando a cobertura dos eventos internacionais, tudo tinha que sair perfeito. Eu precisava mostrar que dava pra fazer algo inovador sem romper com a identidade da empresa. Tomei um banho, comi um sanduíche e voltei a pensar no Marcos. O que será que estava acontecendo? Mandei um whatsapp perguntando se ele havia chegado. Como não obtive resposta imediata, fui rabiscar umas coisas para o projeto.

Cerca de meia hora depois, agora muito compenetrada nas ideias que estava tendo, ouvi o celular apitar. ‘Cheguei’. Era o que constava no texto. Só um simples, curto e formal ‘ cheguei’. ‘Está tudo bem?’, perguntei. ‘Sim’, ele respondeu. E foi aí que eu resolvi ligar. Perguntei se estava acontecendo alguma coisa, o porquê de ele estar agindo de forma estranha nas últimas horas e, mesmo depois de muita insistência, a única justificativa que recebi foi ‘o cansaço’. Achei melhor tentar outro dia. Quem sabe ia passar ou, quem sabe ele resolvia falar. Ok. Tempo ao tempo. Nunca foi muito a minha praia, mas a vida vinha me ensinando que era inevitável.

Voltei ao trabalho, escrevi mais meia dúzia de linhas e achei melhor encerrar. Já eram oito da noite e eu queria fazer algo pra descansar. No outro dia ainda era quarta e eu precisava acordar cedo. Fui pra TV e mudei de canal até achar um filme que parecesse interessante. Se era, eu não sei. Acordei às duas da manhã e me dei conta de que tinha pegado no sono, e de que precisava voltar a dormir. Foi o que fiz.

Às oito eu já estava no escritório. Cheguei animada, contando as novidades pra Camila, Alice e Raquel, que eram a minha nova equipe. Dez minutos depois Flávia me chamou na sua sala e contei minhas ideias sobre o projeto. Ela pareceu (realmente) aprovar, e disse que se precisasse de algum auxílio era só falar. Pus a mão na maçaneta para sair quando, ouvindo um ‘ah’, em tom de quem havia esquecido de dizer alguma coisa, virei-me novamente para ela: ‘Estranhei não ter visto você com o Marcos ontem à noite no Bar da Costa, teve música ao vivo.’ Fiquei muito surpresa, e não sei que cara eu fiz. Eu e Marcos avisávamos sempre que um de nós ia a algum lugar sem o outro. ‘Ontem eu estava muito cansada, preferi ficar em casa.’ Nunca tive intimidade com a Flávia, foi a melhor coisa em que consegui pensar na hora.

Era oficial. Mais um problema na minha enorme lista de ‘coisas nada fáceis de lidar’, e mais um prêmio pro meu sexto sentido.