domingo, 11 de novembro de 2012

Aquele domingo



O teto girava. Parecia que ia desabar. Minha respiração cada vez mais ofegante não me dava escolhas: tinha que tentar sair. Levantei da cama e agora, quando paro pra pensar em tudo, nem sei como consegui. Sentia meu estômago embrulhar. Minha cabeça estava explodindo. Tentei encontrar a chave da porta de entrada, mas não achei. Minha intuição sempre me disse que essa maldita mania de jogar a chave em qualquer lugar ainda ia acabar comigo.

Voltei para o quarto e dei uma volta inteira. De desespero, de medo, de agonia. Fui para o banheiro e me ajoelhei diante do vaso na esperança de que, num reflexo, todos os meus males se acabassem instantaneamente. Senti muito medo. Esperava por um movimento involuntário e atípico do corpo humano. Em vão. Sentia meu corpo fraco, quase não podia me manter de pé. Eu e o nada, em um apartamento de 120 m². Sozinha.

Era um domingo chuvoso, e tudo o que eu queria era sobreviver até a próxima semana. Sabia que na próxima vez em que eu visse o pôr-do-sol, nada seria igual. Os assuntos sem graça dos vizinhos chatos não seriam mais tão inconvenientes, as oito paradas do elevador até chegar à portaria não demorariam mais tanto tempo. Nada demorou tanto quanto aquele fim de tarde, presa em minhas próprias limitações. As filas enormes no supermercado não seriam nada. Até as músicas de mau gosto das casas ao redor do prédio seriam toleráveis. Eu estaria viva e, naquele momento, só isso importava.

Abri a geladeira e tomei um copo de suco de manga. Achei que um pouco de glicose me faria bem. O bolo que levei da confraternização da produtora saltou aos meus olhos como ouro. Nunca rejeitei nada de chocolate. Até eu mesma me estranhei na hora. Patrícia insistiu tanto para que eu levasse aquele pedaço de bolo que acabei fazendo mais para agradá-la. Mal sabíamos que seria o pedaço de bolo que ia salvar a minha vida.

Eu tinha chorado muito. Eram muitos problemas rondando minha cabeça ao mesmo tempo. A saúde da vovó, as brigas com meu pai, o término com o Marcos, a proposta indecente da nova editora e, agora, essa possível mentira da Elena. Era coisa demais pra mim. Era muita coisa em pouco tempo, dúvidas demais para pouco coração, e meu corpo não estava mais aguentando.

Nunca pensei que isso aconteceria comigo. Eu, que sempre fui forte. Eu, que sempre estive ali, para ajudar a quem precisasse e, com as fatalidades da vida, acabei me acostumando a estender a mão sem que ninguém me estendesse de volta. Eu, que aprendi na marra a ser gente grande e nunca precisei de colo de ninguém pra me reerguer.

Fiquei assustada. Tive medo de morrer ali mesmo. Pensei um monte de absurdos. E se só dessem falta de mim uma semana depois? Eu morava sozinha, longe da minha família. Certamente, sem me ver por alguns dias, o pessoal do prédio ia achar que viajei sem avisar, nada demais. O Marcos ia achar que eu estava fazendo jogo duro, o que era bem a minha cara. Mas, e no trabalho?No trabalho iam perceber que tinha algo estranho. Eu sempre dei o meu sangue por ele. Estava lá, todos os dias. Úteis, finais de semana, feriados... Dormia e acordava pensando nele. Eu gostava, era como endorfina     para minhas veias. Sempre ele! Me salvando de todos os tipos de problemas.Meu trabalho era minha vida.Era o que eu amava fazer.Me preenchia de uma maneira tão encantadoramente inexplicável, que o mundo poderia cair, mas eu ficaria bem se ele estivesse de pé.Sempre fui meio arredia e orgulhosa.Nunca gostei de depender de ninguém, desde criança.

Deitei no sofá e senti que meu estômago estava agradecendo aquele alimento, e as náuseas passavam. Dei graças a Deus por ter voltado a pensar que ainda teria vida pela frente. O vento que vinha da janela da frente batia bem no meu rosto, e aliviava aquela sensação horrenda, fazendo com que, aos poucos, eu retomasse a calma. Acho que adormeci logo em seguida. Não me lembro.

O frio estava desconfortável e acabou me acordando. Despertei apreensiva, mas percebi que o mal-estar tinha passado. Quem sabe foi o vento que se incumbiu de dar uma volta pela casa e levá-lo consigo?!Quem sabe foi o bolo dado de tão boa vontade por Patricia?!Quem sabe foi o sono profundo que tomou conta de mim e recarregou minhas energias?!Ou talvez tudo isso junto.

Naquele dia, percebi que quanto mais forte a gente acha que é, mais medo temos quando descobrimos o quanto somos fracos. Muita gente diz que não dar conta de abraçar o mundo é fraqueza, e que quando você diz o quanto seu coração está doendo, é porque você está padecendo de frescura. Alguns limites existem para serem quebrados. Outros, respeitados. Quando a gente carrega o mundo nas costas, uma hora as coisas ficam pesadas demais e precisamos parar, pelo menos para respirar um pouco e recuperar o fôlego para seguir em frente porque, apesar de tudo, a vida sempre continua.


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