sexta-feira, 29 de junho de 2012

A vida muda


Por tantas vezes vi a vida mascarada, camuflada por uma lágrima ou por um sorriso.


Era frustrante ver tudo dando sempre errado. Era tão inquietante e desesperador acreditar que nada seria diferente. Sem novidades, sem mudanças, sem êxitos. Talvez algumas pessoas nascessem pra ser feliz só mesmo na outra vida. E, outra hora, era tão estranho ver coisas tão lindas prestes a inundar a minha vida. E era um frio na barriga, uma alegria que ainda precisava ser contida pela ausência dos fatos, e eu tinha que segurar cada exclamação, cada sorriso, cada explosão de felicidade, e guardar tudo bem escondidinho, num cantinho lá no fundo do peito, pra gritar tudo pro mundo quando chegasse a hora certa.


E depois tudo mudou. O que me causava dor e angústia, e parecia que faria, para sempre, parte dos meus dias, passou. E o que seria o oásis no deserto, o descanso dos meus medos, bálsamo para as minhas feridas, minha felicidade eterna, também passou.


Não, meu mundo não desabou. Reuni as forças que haviam em mim e ergui a cabeça.Aprendi a me amar de uma maneira inacreditavelmente prazerosa.Descobri os deleites que se escondiam no meu cotidiano, enquanto eu só tinha olhos para um futuro promissor.Enxerguei a felicidade que existia em cada um dos meus dias.A felicidade por si mesma, nua, livre de motivos externos que a justifiquem.Uma felicidade que se nutre de cada simples detalhe da existência.


Enfim, me encontrei. E continuo a me descobrir todos os dias. Deixei pra trás aquele ouro de tolo, que me fazia achar que toda espera é produtiva e que toda ausência tem uma justificativa que não seja o simples e puro desinteresse.


Entendi que já era hora de curtir minha vida, com tudo de bom e saudável que ela podia me oferecer. Inovei, me permiti, mudei, aproveitei oportunidades. Passei a olhar para as minhas vontades e para a verdade, que eu insistia tanto em não querer enxergar. Enfrentei meus medos. E, a partir daí, chegaram muitas coisas. Coisas que nunca imaginei, porque a gente tem a mania horrível de se fechar em concepções fantasiosas de ideais e perfeições, e se esquecer de pôr o pé no chão. Coisas que eu, sinceramente, não esperava nem de mim mesma. Coisas boas.


A gente acha que nunca vai mudar, que vai pensar sempre do mesmo jeito. Engano nosso!Todos os dias, ao menos um pedaço de nós muda. Nem que seja um fio de cabelo que cai, nem que seja uma palavra que a gente aprende. E só depois de muito tempo é que a gente percebe. E então, olhamos para o espelho da nossa alma e já não nos identificamos com algo que um dia fez parte de nós.


Quando a gente muda, as coisas ao nosso redor também mudam. (Sim, é verdade! Não é história pra boi dormir!) E tudo se encaixa. Em quem a gente era ou em quem a gente se tornou. E aí, é tarde demais pra certas coisas e é a hora exata para outras.


Nem sempre as coisas vêm na hora que a gente quer, porque elas vêm na hora que tem que vir. Quando deixamos as coisas antigas no passado, abrimos espaço para a chegada de novas, que nem estávamos esperando. E, pra falar a verdade, quando batem à porta é sempre bom atender, porque as melhores surpresas costumam chegar sem aviso.






“Mas é exatamente quando a gente tá cansado, que o coração distrai então a sorte vem.”

domingo, 17 de junho de 2012

Irmandade



Um amigo é um tesouro disfarçado de gente e, vez ou outra, aparece alguém pra dividí-lo com você, mas trata-se de um tesouro tão especial, que mesmo dividindo você ainda o tem por inteiro.

 Naqueles dias em que estamos de bobeira em casa e a única ocupação é mudar, de cinco em cinco minutos, o canal da televisão, não tem nada melhor que sair com um amigo pra jogar conversa fora! Bater um papo furado, rir de nada ou de tudo, olhar para o tempo!Um simples momento ao lado de verdadeiros amigos vira um marco na história!E se a grana estiver curta ou se estiver chovendo, não tem problema, porque amigo a gente convida pra dormir em casa. E aí rola filme, videogame, pipoca, brigadeiro, baralho e até sessão de fotos. Rola arrumar depois a bagunça e rolam horas de conversa e lembranças interminavelmente boas, porque depois que as coisas passam a gente ri. Rimos de como éramos bobos, de quantas vezes a vida nos pareceu um verdadeiro monstro e dos apertos que já passamos; rimos de tanta coisa hilária que já vivemos juntos. E pra falar a verdade, com os amigos, qualquer meia dúzia de palavras e acontecimentos vira filme de comédia!

A amizade é uma relação gratuita e extremamente bonita. Amor não se compara, porque é sentimento e, assim, não se mede. Tem amor de família, amor de amigo e amor de casal. Família a gente ama porque foi destinado a ela, mas é difícil entender porque amamos tanto nossos familiares, mesmo quando quase nunca nos damos bem com eles. O simples fato de possuir o mesmo sangue que outra pessoa não implica em amá-la, mas mesmo assim a gente ama. Ama tanto e tão imensamente que, simplesmente, ama, sem conseguir encontrar motivo. Amigo a gente ama porque se identifica, porque pensa junto, porque pode contar quando precisar, porque admira. Porque sabe que pode confiar seus segredos sem medo de acordar no outro dia e ser olhado de rabo de olho por todo mundo; sabe que pode falar até amanhecer e ainda assim vai ouvir uma resposta pra sua pergunta, nem que seja um “sei lá!”, porque ele também não sabe de tudo,mas se interessa pela sua vida e pelo seu bem-estar.E você sabe que o ama,porque um dia percebe que o defende quando ele não está por perto para fazê-lo, e que ele faz a maior falta quando fica um tempo longe.Como bem dito pela sabedoria que só a experiência traz, amigos são a família que nos foi permitido escolher.

Com amigo a gente ri, chora, zoa (às vezes até um a cara do outro) e agrega pro currículo um monte de história pra contar. Briga também, mas não consegue não fazer as pazes, porque as qualidades dele pesam muito mais pra você que os defeitos. E num determinado dia, você olha pra trás e vê o quanto o tempo passou, o quanto vocês mudaram, o quanto a vida mudou. E vê que, mesmo que às vezes de longe, vocês continuam amigos, superaram juntos tantas coisas e conquistaram muitas outras, e que ele esteve ali, torcendo o tempo todo por você, te ajudando e te dando força, porque amigo de verdade fica feliz com a sua felicidade, e em amizade verdadeira não se perde a cumplicidade nem por tempo e nem por distância.

Mais além dos laços de sangue, uma amizade é sustentada por laços afetivos, que precisamos cuidar e cultivar todos os dias, pois temos a prerrogativa de romper essa ligação a qualquer tempo. Então vamos conquistando, dia após dia, a afeição do outro e um lugar em sua vida, até que os laços afetivos se tornam tão firmes a ponto de se equipararem aos laços de sangue, porque os amigos são irmãos que a vida trouxe de bônus para nós.

domingo, 3 de junho de 2012

Bons motivos



Em uma bela manhã ensolarada de terça-feira, ainda bem cedo, uma jovem andava pela praça de sua cidade. De uns tempos pra cá, vinha perdendo o entusiasmo pela vida e se tornando uma pessoa triste e abatida. Já não encontrava nada que a fizesse sorrir além da aparência.

Sentou-se em um dos bancos e ficou a olhar para o nada, perdida em seus mais melancólicos e questionadores pensamentos.

A certa altura, notou que se assentou ao seu lado um velho senhor, de boina clara, camisa de botões, calça de tecido escuro e sapatos já velhos, porém bem lustrados. Ele alimentava, com grãos de milho, os pombos, que já haviam se acostumado com sua presença e vez ou outra, quando passava alguém passeando com um cachorro, gentilmente iniciava uma conversa sobre o animal e acariciava-o, com um lindo sorriso de satisfação.

Trazia consigo um pequeno saco de papel, de onde ia, aos poucos, retirando o milho. De tempos em tempos, levantava-se e atravessava, com certa dificuldade, toda a praça. Fazia sempre algumas pausas pelo caminho, puxando um dedinho de prosa com as pessoas que passavam, até que chegava a um grande pacote de milho, que estava em um banco desocupado, e enchia o pequeno saquinho.

A moça ficou a observar, por algum tempo, o comportamento do senhor, que fingiu não perceber a atenção voltada para ele. Então, intrigada ela perguntou:

 - Escuta, o senhor vem aqui todos os dias?

- Sim, não posso deixar que os pobres animais morram de fome.

- Mas não se cansa de fazer a mesma coisa todos os dias?

- A senhorita tem um emprego?

- Tenho.

- E não se cansa de fazer a mesma coisa todos os dias?

Visivelmente desconfortável com seu infeliz comentário, ela tentou mudar o rumo da conversa, aproveitando para perguntar a ele sobre o que havia despertado sua curiosidade:

- Por que o senhor não traz o pacote maior pra cá, ao invés de toda hora se levantar e ir até o outro lado encher o pacote pequeno?

- É que a cada vez que me levanto e caminho até o lado de lá, fortaleço meu físico e minha mente, que já não são mais tão jovens quanto os seus. Também conheço pessoas diferentes e no pouco tempo em que converso com elas, sempre aprendo e ensino alguma coisa. Já fiz alguns bons amigos por aqui. A cada volta que dou nesta praça, consigo andar com mais destreza. Vou embora, todas as manhãs, um homem diferente e mais disposto a voltar no próximo dia. Às vezes, precisamos criar motivos para não nos encarcerarmos pela nossa liberdade de escolha, que tende a nos aprisionar em abismos escuros e sombrios, alimentados pelo medo e pela falta de razões para seguir em frente. Em muitos momentos, tomados pela monotonia e pelo cansaço cotidianos, nos esquecemos de que devemos ser nós mesmos os autores de nossas histórias e nos fazemos de vítima diante das circunstâncias.Colocar a culpa no que é externo e foge ao nosso controle é muito fácil e cômodo, entretanto em nada nos engrandece, apenas nos convence, dia após dia, que nada podemos fazer para mudar nossa realidade e que só nos resta então, esperar, como eternos mendigos, que algo enfim, caia do céu.Mas a vida da gente é apenas o resultado das escolhas que fazemos.Se eu traço objetivos e faço algo para alcançá-los, manterei ocupados o meu tempo e  a minha cabeça,mas se eu me entrego tão facilmente diante dos desafios, serei apenas mais um homem respirando até o dia em que eu me for deste mundo.

- Eu entendo. Já nesta idade, certamente deve estar aposentado e precisa de algo para se distrair.  é realmente uma boa opção ficar aqui para se entreter até a hora de ir para casa almoçar.Se eu fosse o senhor, provavelmente faria a mesma coisa.Ficaria aqui curtindo este ar puro e este céu azul.

- Claro!Você tem toda razão!Este ar e este céu me fazem muito bem! Depois que perdi minha esposa e meu único filho no mesmo acidente que me fez usar pernas mecânicas, não tenho mais com o que me preocupar. A não ser é claro, com estes lindos pombos, que ainda precisam de mim. Com licença, minha querida, o pequeno pacote já está vazio novamente.