domingo, 28 de outubro de 2012

A intempestividade dos desejos



Lembrou-se do cheiro da terra úmida no quintal, quando o jardim era regado nas noites frescas de verão, que colocavam uma breve pausa no calor escaldante característico da pequena cidade. Assistia à novela, na companhia da mãe, enquanto via, pela porta da sala, o pai cuidar das flores, com dedicação e satisfação estampada no rosto, agora despreocupado. Desde que se lembrava, cozinha não era mais lugar só de mulher, tampouco as flores, com todo o encanto e a leveza com que cativavam, eram exclusividade feminina. Em sua casa, nunca houvera disputa ou hierarquia de poder. A mãe era mãe e, de vez em quando, irmã, no melhor sentido da palavra. O pai era pai e, às vezes, dava o ar da graça no papel de mãe. Nunca havia imaginado o quanto aquelas noites lhe trariam saudades.

Um dia cismara em perder-se no mundo. Dar as caras em outro lugar, esquecer que teve pai e mãe, mostrar que se tornou dono do próprio nariz. Bem distante, ninguém ousaria tirar-lhe das mãos o troféu conseguido com tanto ardor. Vivia a certeza. Sentia o sonho se aproximar. Era tudo uma questão de tempo, até que pudesse se vangloriar de sua performance ímpar.

O tempo passou e as idéias alcançaram estágio de maturação. O terreno mais fértil de sua existência trabalhava de maneira assustadoramente rápida e confusa. Sentimentos completamente imprecisos colocavam onda em rio e canoa em maré. A compreensão era resultado raro e, às vezes, conformava-se com pensamentos amalucados, sem origem nem destino, que mal davam fé de si mesmos.

Foi. Não que quisesse ir, mas a vida empurrou. Muita gente remando a favor da correnteza e acabou indo também. De tempos em tempos, deitava-se no barco, de barriga para a lua e apreciando as estrelas, e protagonizava um eterno diálogo não correspondido. Talvez, o brilho das constelações fizessem brilhar também sua alma. Imaginava coisas e comprovava o contrário. Perdeu muitas batalhas travadas com suas próprias necessidades. Começou a entender a lógica tão ilógica do mundo. Amou e desamou. Percebeu que não era amor. Se amou. Descobriu a ciclicidade dos fatos e dos sentimentos.

O seu tempo no tempo terreno apenas se iniciava, mas o peito já palpitava de ansiedade, porque cada dia a mais, era um a menos. Só de serem pensadas, as próximas dezenas e centenas deles já faziam sentir a distância, cada vez maior, daquelas noites de verão, que eram, do seu pequeno mundo, a mais alta expressão da felicidade simples e plena. O cheiro da terra ainda adentrava em suas narinas, assim como a luz que um dia clareou o quintal iluminava seus olhos, livrando da escuridão do porvir e permitindo sentir, pela última vez, a ternura e o aconchego daqueles momentos doces. Queria viver só mais um dia das crianças, e envolveria, num abraço, as flores que, em silêncio, gritavam a alegria de sua presença, para então aceitar perder-se na vida, carregando as memórias inocentes, que dariam cor ao futuro e um dia se ajuntariam à saudade de ter selado o beijo mais sincero e saboroso de que a vida já deu notícia.

                                                                                                          Jéssica Vieira.

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