segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Vivemos esperando


Todo mundo vive em busca de um grande amor. Desde que nascemos, ou ainda na barriga de nossas mães, as pessoas começam a fazer planos de namoro para nós. Sempre tem um amigo do pai que vai ter um filho na mesma época, e já deixa encomendado o casamento com a filhinha do amigo. Claro que hoje isso não passa de brincadeira, mas desde sempre nos ensinaram que pra sermos felizes, precisamos encontrar alguém que combine em tudo com a gente ou que seja totalmente o oposto. Aí vocês têm que ser tomados por uma paixão avassaladora que feche seus olhos pra todas as diferenças e se amar muito, muito, muito mesmo! Se casam, têm filhos e nunca fazem nada de errado, nunca magoam nem decepcionam o outro e são felizes para sempre.

Eu queria saber de onde surgiu esta história de amor perfeito. Todo ditado popular tem uma origem, toda crença e todo mito tem uma explicação. Pois então!Quem foi que inventou que alma gêmea existe?Quem foi que disse que é possível que um homem seja sempre gentil, fiel, sincero e companheiro?E pior: qual é o bando de loucos que até hoje acredita em toda esta história pra boi dormir e no beijo que acordou a bela adormecida?

Desculpa se te decepciono. Você pode até me xingar e desistir desta leitura, mas preciso dizer que ninguém vai entrar na sua vida e transformá-la, de repente, em um conto de fadas.Nenhuma pessoa em sã consciência vai carregar água na peneira pra você e esquecer que a vida dela existe.Essa pessoa nasceu sem você e se precisar, vai continuar vivendo sem você.E bem.E feliz. A felicidade só depende da própria pessoa, e não da mãe, do pai, do tucano, da tia, do avô, sobrinho, namorado ou marido. Quem não se ama primeiro, transparece sua falta de amor. E cá entre nós: quem é que quer alguém incapaz de amar a si mesmo? O coração é esperto, gosta de quem se trata bem, se cuida e se valoriza. E está certo! Amor não é enfermaria pra curar feridas ou doença. O amor de outra pessoa existe pra melhorar, pra complementar e não pra servir como prato principal.

Nunca vai haver alguém que atenda a todos os seus desejos, porque expectativa é coisa que só existe dentro da nossa cabeça. Quem sabe aquele cara não seja assim tão lindo como você queria, nem te mande flores em todos os aniversários de namoro ou mensagens todos os dias, mas seja o mesmo cara que te trata com carinho e respeito exclusivos?Ou quem sabe a mulher que você conheceu não seja uma exímia cozinheira, e talvez seus amigos nem a achem tão bonita, mas será ela que vai estar ao seu lado pro que der e vier?

Existe sim gente que ainda dá certo, gente que ainda respeita e quer construir alguma coisa séria, mas pelo amor de Deus, não espere um Brad Pitt ou uma Angelina Jolie aparecer na sua vida. Nem acredite que seu namorado vai querer estar o tempo todo com você e adorar assistir às suas comédias românticas preferidas, ou que a sua esposa vai amar quando você pedir pra ela buscar uma cerveja. Não espere por alguém perfeito, porque você também não é.

Se todo mundo se preocupasse menos em satisfazer a opinião dos outros e olhasse um pouco para quem realmente o considera, as pessoas se encontrariam mais. Se os estereótipos fossem abandonados, a vida teria um gosto diferente, que só se deixa saborear quando permitimos que as pessoas nos mostrem quem elas são, o invés de atacá-las com infinitos pensamentos preconceituosos. Tem pessoas fazendo muito pra aparecer e enxergando qualquer tentativa de manter uma aproximação cordial como uma investida amorosa. Outras, deixando de dar valor a quem merece pra servir de coadjuvante na vida de quem já tem seus protagonistas. Tem gente que deve gostar mesmo de sofrer. Vai entender.



domingo, 18 de novembro de 2012

O último dia






Já havia algum tempo que eu não sentia mais as coisas como antes. Desde que a vida me levou quem eu mais amava, precisei encarar os problemas de frente, com a certeza de que, se não o fizesse, o mundo me engoliria sem dó nem piedade e me transformaria em mais uma vítima da realidade, sem eira nem beira, e sem qualquer chance de esperança em um milagre ou em um resgate. Foram poucos anos de convivência, mas, ainda assim, foi o mais belo exemplo que alguém pôde ter. Não tenho muitas lembranças dela. Era muito nova, eu creio. Uma de minhas poucas recordações é o dia em que tudo aconteceu.

Era um sábado ensolarado, e ela havia chegado ansiosa do trabalho. Íamos ao clube. A gente não tinha dinheiro e a vida não era fácil, mas com o pouco que tínhamos nunca passamos necessidade. Ela jamais teria deixado. Trabalharia dia e noite se fosse preciso. Lembro que ela mandou que eu vestisse o maiô azul de listras laterais verdes que tia Beta havia me dado de natal. O mesmo que eu vestia na única foto que tenho daquela época. Tiramos antes de sair, com a velha máquina de filme. Ela estava linda, radiante. Finalmente tinha conseguido juntar dinheiro para pagar nossas entradas no clube da zona sul. Era um lugar de elite, pessoas como nós não o frequentavam. Tinha três piscinas enormes e um tobogã que quase levava a gente na porta do céu, como ela costumava dizer. Ela adorava praias, piscinas e tudo o mais que a fizesse se sentir livre, em suas próprias palavras: flutuando alegre, como se estivesse nos braços de Deus. E foi exatamente naquele dia que minha mãe me deixou para se aconchegar nos braços d'Ele.

Fomos olhadas com certa desconfiança pelo porteiro, mas como pagamos devidamente as entradas, ele nos deixou entrar. O semblante dela era de alguém que estava realizando o maior sonho da sua vida. Acho que não me lembro de tê-la visto tão feliz assim em outra ocasião.

Brincávamos juntas na piscina. Ela parecia mais criança que eu. Notei que as pessoas nos olhavam receosas e perguntei a ela o porquê. Nunca vou esquecer aquela resposta, que logo fez meu inocente coração voltar à distração, mesmo sem entender muito bem o que ela quis dizer. ”Não liga, minha filha, nosso dinheiro vale tanto quanto o de qualquer outro aqui.” Na última vez que eu pude olhar em seus olhos, vi a expressão assustada, por causa da gritaria que começou. Três homens, bem vestidos, haviam entrado ordenando que todos se deitassem no chão. Na hora que ela percebeu o que estava acontecendo, segurou forte o meu braço e fomos apressadamente para a saída. Eles iam em direção ao escritório que ficava nos fundo do clube, à esquerda. Quase cruzávamos o portão, quando um deles nos viu e gritou para o outro que tinha gente fugindo. Esse outro mandou ele atirar, mas ele hesitou. O outro gritou de novo, mais agressivamente. Minha mãe virou-se num ato de reflexo, e o tiro acertou-a em cheio no peito. Ali, com minha mãe sangrando no chão, escorreu também a metade de mim que nunca mais voltaria a existir. Foi o pior momento da minha, até então, breve vida, e continuará sendo, ainda que eu viva mil anos.

Cresci e me tornei adulta, sem que ela pudesse ver e me abraçar a cada lágrima que eu chorei ou a cada sorriso que dei. Sei que era isso que ela faria se estivesse aqui. Minha mãe, sempre tão doce. Honesta, batalhadora.  Tiraram dos meus braços, ainda tão jovem, a única pessoa que afastava todos os meus medos apenas com sua presença.

Dezoito anos depois, hoje ela ainda faz falta aqui, mas a dor que no início dilacerava cada pedaço de mim, deu lugar à saudade de tê-la comigo e de todos os momentos que não pudemos viver juntas.

Mesmo tendo passado tanto tempo, até este exato segundo não consigo entender como uma pessoa tem a coragem e a covardia de privar outra pessoa de viver ao lado de alguém que tanto ama. É um corpo que se vai e vários corações que ficam, lutando para manter o ritmo das suas batidas. Éramos pobres e morávamos num bairro de classe média baixa, mas foi ali, num clube de classe alta, que nossas vidas foram, impiedosamente, marcadas para sempre.

domingo, 11 de novembro de 2012

Aquele domingo



O teto girava. Parecia que ia desabar. Minha respiração cada vez mais ofegante não me dava escolhas: tinha que tentar sair. Levantei da cama e agora, quando paro pra pensar em tudo, nem sei como consegui. Sentia meu estômago embrulhar. Minha cabeça estava explodindo. Tentei encontrar a chave da porta de entrada, mas não achei. Minha intuição sempre me disse que essa maldita mania de jogar a chave em qualquer lugar ainda ia acabar comigo.

Voltei para o quarto e dei uma volta inteira. De desespero, de medo, de agonia. Fui para o banheiro e me ajoelhei diante do vaso na esperança de que, num reflexo, todos os meus males se acabassem instantaneamente. Senti muito medo. Esperava por um movimento involuntário e atípico do corpo humano. Em vão. Sentia meu corpo fraco, quase não podia me manter de pé. Eu e o nada, em um apartamento de 120 m². Sozinha.

Era um domingo chuvoso, e tudo o que eu queria era sobreviver até a próxima semana. Sabia que na próxima vez em que eu visse o pôr-do-sol, nada seria igual. Os assuntos sem graça dos vizinhos chatos não seriam mais tão inconvenientes, as oito paradas do elevador até chegar à portaria não demorariam mais tanto tempo. Nada demorou tanto quanto aquele fim de tarde, presa em minhas próprias limitações. As filas enormes no supermercado não seriam nada. Até as músicas de mau gosto das casas ao redor do prédio seriam toleráveis. Eu estaria viva e, naquele momento, só isso importava.

Abri a geladeira e tomei um copo de suco de manga. Achei que um pouco de glicose me faria bem. O bolo que levei da confraternização da produtora saltou aos meus olhos como ouro. Nunca rejeitei nada de chocolate. Até eu mesma me estranhei na hora. Patrícia insistiu tanto para que eu levasse aquele pedaço de bolo que acabei fazendo mais para agradá-la. Mal sabíamos que seria o pedaço de bolo que ia salvar a minha vida.

Eu tinha chorado muito. Eram muitos problemas rondando minha cabeça ao mesmo tempo. A saúde da vovó, as brigas com meu pai, o término com o Marcos, a proposta indecente da nova editora e, agora, essa possível mentira da Elena. Era coisa demais pra mim. Era muita coisa em pouco tempo, dúvidas demais para pouco coração, e meu corpo não estava mais aguentando.

Nunca pensei que isso aconteceria comigo. Eu, que sempre fui forte. Eu, que sempre estive ali, para ajudar a quem precisasse e, com as fatalidades da vida, acabei me acostumando a estender a mão sem que ninguém me estendesse de volta. Eu, que aprendi na marra a ser gente grande e nunca precisei de colo de ninguém pra me reerguer.

Fiquei assustada. Tive medo de morrer ali mesmo. Pensei um monte de absurdos. E se só dessem falta de mim uma semana depois? Eu morava sozinha, longe da minha família. Certamente, sem me ver por alguns dias, o pessoal do prédio ia achar que viajei sem avisar, nada demais. O Marcos ia achar que eu estava fazendo jogo duro, o que era bem a minha cara. Mas, e no trabalho?No trabalho iam perceber que tinha algo estranho. Eu sempre dei o meu sangue por ele. Estava lá, todos os dias. Úteis, finais de semana, feriados... Dormia e acordava pensando nele. Eu gostava, era como endorfina     para minhas veias. Sempre ele! Me salvando de todos os tipos de problemas.Meu trabalho era minha vida.Era o que eu amava fazer.Me preenchia de uma maneira tão encantadoramente inexplicável, que o mundo poderia cair, mas eu ficaria bem se ele estivesse de pé.Sempre fui meio arredia e orgulhosa.Nunca gostei de depender de ninguém, desde criança.

Deitei no sofá e senti que meu estômago estava agradecendo aquele alimento, e as náuseas passavam. Dei graças a Deus por ter voltado a pensar que ainda teria vida pela frente. O vento que vinha da janela da frente batia bem no meu rosto, e aliviava aquela sensação horrenda, fazendo com que, aos poucos, eu retomasse a calma. Acho que adormeci logo em seguida. Não me lembro.

O frio estava desconfortável e acabou me acordando. Despertei apreensiva, mas percebi que o mal-estar tinha passado. Quem sabe foi o vento que se incumbiu de dar uma volta pela casa e levá-lo consigo?!Quem sabe foi o bolo dado de tão boa vontade por Patricia?!Quem sabe foi o sono profundo que tomou conta de mim e recarregou minhas energias?!Ou talvez tudo isso junto.

Naquele dia, percebi que quanto mais forte a gente acha que é, mais medo temos quando descobrimos o quanto somos fracos. Muita gente diz que não dar conta de abraçar o mundo é fraqueza, e que quando você diz o quanto seu coração está doendo, é porque você está padecendo de frescura. Alguns limites existem para serem quebrados. Outros, respeitados. Quando a gente carrega o mundo nas costas, uma hora as coisas ficam pesadas demais e precisamos parar, pelo menos para respirar um pouco e recuperar o fôlego para seguir em frente porque, apesar de tudo, a vida sempre continua.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

(Des) Esperando




Agora é só esperar!Nada como o alívio de ter cumprido todas as obrigações da semana e estar livre da responsabilidade de ter alguma coisa dependendo de você pra acontecer. Nada de trabalho, tudo pronto. É só aguardar.

Mas, uma inquietude imensa toma conta de mim. Não consigo fica tranqüila sabendo que estou aqui, sentada (ao menos isso), sem nada pra fazer, só esperando. Eu deveria relaxar, descansar a mente. Devia pensar em tudo aquilo o que eu quero todos os dias, mas não posso porque tem um milhão de coisas à frente na lista de prioridades. Não dá. Não consigo ficar em paz sem encontrar qualquer bobagem material pra me distrair. O celular, a agenda, um papel de bala... Qualquer coisa que me tire dessa angústia e faça minhas pernas pararem de balançar por um minuto.

Tenho resistência em simpatizar com o sossego. Deve ser isto. Sempre pensando em alguma coisa, sempre me incumbindo de tarefas que ocupem cada minuto do dia e não me obriguem a permanecer no vazio do tempo e na breve infinitude das horas.

Tentei pensar em nada, mas aí já estava pensando em algo: pensar em coisa alguma. Minha paciência grita, berra, suplica por socorro. Meu corpo não encontra mais novas posições a serem experimentadas. Olho no relógio e vejo que 20 minutos se passaram. Para mim pareceu toda uma vida. A mim, parecia meio século de agonia incessante.

As pessoas se encontram. Matam sua aflição. Só quem eu espero parece jamais chegar. E se tiver ido embora?Ou desistido de chegar?E se toda essa infindável espera tiver sido em vão?Ah, mas eu mataria o ordinário! Não exercitei minha paciência de maneira incomum pra terminar numa espera infrutífera! Mas a gente combinou. Ele garantiu que me encontraria aqui. Foi até bem convincente, não dava sinais de que iria furar. Mas, eu já tinha ouvido falar da sua vasta experiência em dar bolos. Se eu fosse um pouco mais racional, iria embora agora. O telefone toca:

-“Ué, estou aqui te esperando! (...) O quê? Você já foi? Já faz bastante tempo que estou aqui! (...) Vai me esperar onde? Sei, sei onde é sim.”

-“Então tá. Estou te esperando. Não demora hein?! Tchau.”

Aquela audácia me tirou do sério. Fiquei um tempão plantada esperando, acreditando que desta vez ele poderia realmente aparecer, ao contrário do que dizia sua má fama, e ainda me vem com essa de “não demora”!

-“Espera!”

-“Oi?”

-“Você vai me esperar aí mesmo?”

-“Claro.” – com o mesmo tom convincente de antes.

-“Tudo bem então, vai esperando.Tchau!”

-“Hã?”

Tú,tú,tú...

Passei por outro caminho e fui pra casa. Tem dias em que, de tanto esperar em um mesmo lugar, a gente deixa de passar por outros bem melhores, que estão logo ali, bem ao nosso lado.