Em uma bela manhã ensolarada
de terça-feira, ainda bem cedo, uma jovem andava pela praça de sua cidade. De
uns tempos pra cá, vinha perdendo o entusiasmo pela vida e se tornando uma
pessoa triste e abatida. Já não encontrava nada que a fizesse sorrir além da
aparência.
Sentou-se em um dos bancos e
ficou a olhar para o nada, perdida em seus mais melancólicos e questionadores
pensamentos.
A certa altura, notou que se
assentou ao seu lado um velho senhor, de boina clara, camisa de botões, calça
de tecido escuro e sapatos já velhos, porém bem lustrados. Ele alimentava, com
grãos de milho, os pombos, que já haviam se acostumado com sua presença e vez
ou outra, quando passava alguém passeando com um cachorro, gentilmente iniciava
uma conversa sobre o animal e acariciava-o, com um lindo sorriso de satisfação.
Trazia consigo um pequeno
saco de papel, de onde ia, aos poucos, retirando o milho. De tempos em tempos,
levantava-se e atravessava, com certa dificuldade, toda a praça. Fazia sempre
algumas pausas pelo caminho, puxando um dedinho de prosa com as pessoas que
passavam, até que chegava a um grande pacote de milho, que estava em um banco
desocupado, e enchia o pequeno saquinho.
A moça ficou a observar, por
algum tempo, o comportamento do senhor, que fingiu não perceber a atenção
voltada para ele. Então, intrigada ela perguntou:
- Escuta, o senhor vem aqui todos os dias?
- Sim, não posso deixar que
os pobres animais morram de fome.
- Mas não se cansa de fazer
a mesma coisa todos os dias?
- A senhorita tem um
emprego?
- Tenho.
- E não se cansa de fazer a
mesma coisa todos os dias?
Visivelmente desconfortável
com seu infeliz comentário, ela tentou mudar o rumo da conversa, aproveitando
para perguntar a ele sobre o que havia despertado sua curiosidade:
- Por que o senhor não traz
o pacote maior pra cá, ao invés de toda hora se levantar e ir até o outro lado
encher o pacote pequeno?
- É que a cada vez que me
levanto e caminho até o lado de lá, fortaleço meu físico e minha mente, que já
não são mais tão jovens quanto os seus. Também conheço pessoas diferentes e no
pouco tempo em que converso com elas, sempre aprendo e ensino alguma coisa. Já
fiz alguns bons amigos por aqui. A cada volta que dou nesta praça, consigo
andar com mais destreza. Vou embora, todas as manhãs, um homem diferente e mais
disposto a voltar no próximo dia. Às vezes, precisamos criar motivos para não
nos encarcerarmos pela nossa liberdade de escolha, que tende a nos aprisionar
em abismos escuros e sombrios, alimentados pelo medo e pela falta de razões
para seguir em frente. Em muitos momentos, tomados pela monotonia e pelo
cansaço cotidianos, nos esquecemos de que devemos ser nós mesmos os autores de
nossas histórias e nos fazemos de vítima diante das circunstâncias.Colocar a
culpa no que é externo e foge ao nosso controle é muito fácil e cômodo, entretanto
em nada nos engrandece, apenas nos convence, dia após dia, que nada podemos
fazer para mudar nossa realidade e que só nos resta então, esperar, como
eternos mendigos, que algo enfim, caia do céu.Mas a vida da gente é apenas o
resultado das escolhas que fazemos.Se eu traço objetivos e faço algo para
alcançá-los, manterei ocupados o meu tempo e
a minha cabeça,mas se eu me entrego tão facilmente diante dos desafios,
serei apenas mais um homem respirando até o dia em que eu me for deste mundo.
- Eu entendo. Já nesta
idade, certamente deve estar aposentado e precisa de algo para se distrair. é realmente uma boa opção ficar aqui para se
entreter até a hora de ir para casa almoçar.Se eu fosse o senhor, provavelmente
faria a mesma coisa.Ficaria aqui curtindo este ar puro e este céu azul.
- Claro!Você tem toda razão!Este
ar e este céu me fazem muito bem! Depois que perdi minha esposa e meu único
filho no mesmo acidente que me fez usar pernas mecânicas, não tenho mais com o
que me preocupar. A não ser é claro, com estes lindos pombos, que ainda
precisam de mim. Com licença, minha querida, o pequeno pacote já está vazio
novamente.
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